A SESSÃO MÁGICA

Crônicas

Silvio Nascimento Melo

Parei em frente do prédio onde funciona mais uma filial de uma igreja brasileira e multinacional. Está ficando cada vez mais desfigurado. Entro rapidamente antes que os obreiros venham falar uma velha ladainha de promessas.
Olho o relógio do pulso que marca sete horas da noite. As lembranças retornam fortemente. Horário da primeira sessão. Dobro à direita, em frente não tem mais o grande espelho, depois à esquerda e coloco o pé direito no primeiro degrau da escada larga. O salão está em penumbra. Termino de subir os lances da escada, entro, sento em uma cadeira, marrom escuro, dobrável, fecho os olhos e fico contando os minutos antes de ser iniciada a primeira sessão da noite.
Corte no tempo. Era um ruge-ruge de gente comendo pipoca, chocolate e confeitos comprados no carrinho de Chica Boa sempre postada em frente ao cinema. E aí ouço bem forte o som do primeiro aviso. Booommm! E uma parte quadrada do teto ficava na cor amarela.
As duas janelas das bilheterias ficavam no lado direito da frente do Cinema Alvorada. As filas organizavam-se, enormes, ao longo da calçada do prédio vizinho. No outro lado vizinho do cinema era a nossa casa. Logo depois das bilheterias, encravado na parede e protegido por uma vidraça ficava o cartaz do filme do dia. Dobrava-se à direita e com quatro passos já encontrava na porta principal o gerente “Seu” Zé Gomes, homem gordo, educado, possuidor de sorriso largo e de grande bigode. Era oriundo de Palmeira dos Índios e foi morar em Santana do Ipanema exclusivamente contratado para administrar o cinema do “Seu” Tibúrcio Soares. No hall, ao longo da parede, à meia altura, ficavam quadrados embutidos nas paredes com os cartazes dos próximos filmes. Booommm! E a segunda parte do teto ficava na cor verde.
As paredes, do piso até a meia altura, eram revestidas de madeira fina, tipo compensado, na cor marrom, tanto no hall, sala de projeções e no mezanino. Famoso mezzanino, era o verdadeiro “escurinho do cinema”, aonde iam os namorados mais afoitos. No grande salão, acima do revestimento de madeira, as paredes tinham figuras artisticamente pintadas retratando paisagens, cenas e figuras tipicamente nordestinas: vegetação rasteira, cactus, sol causticante sobre retirantes, vaqueiro cavalgando para derrubar o boi na caatinga. Booommm! E a última parte do teto ficava na cor vermelha.
Hora de iniciar a sessão de cinema. As cortinas vermelhas escuras abriam-se. Aparecia o certificado da censura e em, seguida, a famosa música de fundo das cenas do Cinema Cem de Carlinhos Niemeyer. Documentário semanal sobre o futebol do Rio de Janeiro, São Paulo e seleção brasileira. Pelé, Garrincha e outros craques desfilavam a arte do futebol para os boquiabertos garotos santanenses que ouviam os comentários e transmissões dos campeonatos carioca e paulista através, principalmente, da Rádio Globo narradas dramaticamente por Valdir Amaral, Mário Viana, João Saldanha, etc.
Durante toda a semana tinha sessão, sempre às oito da noite, e aos sábados e domingos, ocorriam duas sessões, a primeira às sete horas e a segunda às nove e meia da noite. E ainda tinha matinês todos os domingos às três horas da tarde.
Além dos filmes eram, também, apresentados os seriados que estimulavam a freqüência dos espectadores (seria a fidelização dos tempos modernos?) com o famoso “perigo da série”. O seriado consistia em filme de curta duração que interrompia a cena em momentos de maior tensão (provável precursor das novelas atuais?) e criava a expectativa e retorno dos freqüentadores nas cenas de continuação do seriado semana seguinte. Daí nasceu a expressão “perigo da série”.
As luzes vão acendendo, algumas pessoas estão entrando e sentando para esperar a apresentação do pastor. Abro os olhos. Olho o relógio que registrou dez minutos. Hora de sair em retirada.
Quantas saudades do cine Alvorada. Quantas saudades das sessões mágicas. O tempo é implacável. Não retorna.

Primeira hora de l5.04.2006

Comentários