Santana do Ipanema tinha seus blocos organizados que todo ano faziam presença no carnaval. Em destaque os blocos dos Cangaceiros, do Pastoril, do Zé Pereira, do Pau-d’arco, dos Piratas, dos Índios, do Sapo, do Bacurau, dos Carregadores de Saco, das Putas, do Urso, do Bacalhau, do Liará. A partir de dezembro os organizadores e as comissões já se preparavam para fazer o melhor.
Naquele ano, o nosso era o Mela-Mela. Dez a doze meninos, incluindo o autor, Neto Bestão, Iran Peri, Raposo, Lobão, Lobinho, Cara Veia, Zebinho, Dinho de Rola, Aderval, este meu irmão.
No sábado de Zé Pereira, no Beco de Maria Zuza, fizemos a reunião planejando e estabelecendo regras, metas, o roteiro, horário de saída e de retorno do rancho carnavalesco, que seria na Rua Nova, atual Benedito Melo.
Bloco fácil de organizar, não havia preocupação com fantasias, adornos, máscaras, nem instrumentos. Para melar, tudo valia: talco, maisena, arrozina, farinha de trigo, pó de carvão, baton, tinta.
O grupo se juntou às dez horas do domingo na Rua de Dona Enésia, atual 26 de julho, em frente à tenda de Abelardo de seu Luiz Benvinda. Um detalhe: somente Neto Bestão portava um pouco de “pó de mico” (esterco de cavalo, como chamávamos). A direção (Neto, Iran, o autor e Lobão) autorizou a saída com todos já melados da cabeça aos pés, lembrando que era para melar todo mundo, sem nenhuma exceção.
Começamos pela Rua Nossa Senhora de Fátima e, à altura do Tênis Clube Santanense, pegamos à esquerda e descemos pela Rua Cel. Lucena, em direção ao comércio.
No trajeto, a primeira ação partiu de Zebinho, que quase leva uma cacetada de um idoso que foi melado quando estava numa cadeira de balanço, observando a passagem do bloco. Irritado, gritou o idoso: “Fios da peste! Se voltarem vou buscar minha espingarda, seus cachorros!”
A segunda ação foi melar umas meninas bem vestidas e de cabelos trançados no cruzamento da Rua Martins Vieira. Mais um pouco à frente, uma senhora também foi coberta de pó, que apenas nos disse que tivéssemos vergonha.
O bloco ia cumprido o roteiro traçado. No caminho, um bêbedo pediu-nos para ser melado. A turma não aceitou o pedido, alegando que ele já estava “melado” de cana, não precisava mais.
À altura do Ginásio Santana, um imprevisto quase tirava o bloco do sério. A caminhonete vermelha da polícia freou bruscamente à nossa frente. Paramos, por alguns momentos, achando que iríamos ser presos.
Sorte nossa, porque os dois soldados que desceram do veículo encanaram somente o Pipita, que de mascara de porco, vestia uma farda velha do irmão, que era soldado. Estava de coturnos, com cinturão, cartucheira e revólver de madeira.
Contratempo que merece esclarecimento: Pipita, por ser membro efetivo do bloco, optou por sair de careta, dando-nos cobertura, pois estava armado com um relho de sola laminada com ponteira de metal. Soubemos, logo depois, que ele havia sido liberado. Apesar do susto, a ocorrência não prejudicou o itinerário do bloco.
Regina Cambão, de preto, ficou branca depois de uma chuva de pó, na esquina de seu Oséas. Ernande Brandão ligou a lambreta e caiu fora. Miguel da Barriguda correu do beco de seu Ábdon, escapando a tempo. Dona Sinhá fechou a janela na hora. Zé Vieira Birô Bufão não escapou, sendo massacrado. Eugênio Teodósio não foi atacado porque estava segurando um cachorro feroz. Seu Zé Acioli estava no sobrado, fora do alcance do bloco.
Uma tempestade de farinha e pó, parecendo aquelas do deserto de Saara a castigar os nômades, tomou conta das três janelas da casa das irmãs do Dr. João Yoyô, juiz de direito da comarca, que ficava quase em frente à residência de seu Luiz Medeiros. Foram minutos de guerra e ação. Nisso, um grito ecoou: “Dr. João foi chamar a policia!”
De repente, o bloco desfez-se ali mesmo, com os componentes em disparada.
Da esquina do hotel de Maria Sabão, o vereador George reclamava: “Mas, meninos, vocês não podem fazer isso com as velhinhas!” Resposta de Raposo: “Foram elas que começaram, jogando um penico de urina no bloco, quando da nossa passagem, daí revidamos.”
A caminhonete vermelha da PM circulou a cidade inteira e não conseguiu localizar nem o bloco, nem nenhum componente.
Claro que os moradores da Rua Nova não tiveram a oportunidade de ver o tão esperado bloco dos filhos.
Maceió, fevereiro 2007.
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