Nasci na região de Puxinanã, na área atual de Areias Branca, Santana do Ipanema. Meu pai era almocreve e transportava café de Chã Preta para Santana. Depois desenvolveu e veio morar na cidade. Eu tinha três anos. Era 1937, quando chegamos. Ele trazia café e levava bacurinho; levava e voltava com café que naquela época era ouro. Depois passou a ter aqui uma mercearia muito boa, e esse café era vendido nela e outros locais. Não havia muito poder aquisitivo, o agricultor era pequeno, a quantidade maior que se vendia eram 250 gramas. Os pacotinhos eram embrulhados na mão; eu era um dos encarregados de embrulhar; tinha apenas 10 anos, mas dava uma produção de duzentos pacotinhos de café em uma tarde.
Ele trazia duas sacas no lombo de cada burro. Café em grão, e vendia aqui. Todo mundo tinha pilão: pisava no pilão. A parte que ficava na mercearia era vendida em retalho. Então a gente fazia aqueles pacotinhos e quem tinha poder aquisitivo maior comprava de meio quilo. Era torrado pelas torradeiras; Cecilia Catarina era famosa, torrava o café de todo mundo. Aí, depois pilavam. Meu pai passou a desenvolver negócio, a ter uma venda maior, e veio morar em Santana, primeiro na Rua Nova, hoje Benedito Melo.
Ele nasceu em Canafístula, e casou com a minha mãe que era de Areias; veio morar em Areias e trouxe a família toda, pois era o único filho homem, tinha nove irmãs. Sempre foi muito inteligente, era um homem que ouvia rádio e depois chegava aqui e falava notícias dos Estados Unidos, Europa. Bom, ele não botou uma bodega, botou mercearia. A do Marinho Oliveira era a maior, e a de papai era a segunda. Tinha umas oito portas, ficava em uma esquina no centro da cidade. Na outra esquina tinha a casa do seu Carola, que era o farmacêutico. Em 1945 havia carência de óleo de candeeiro, gás óleo, então papai recebia esses tambores, e eles ficavam expostos na pracinha ao lado. E eu vendia puxando numa bombinha, o pessoal fazia fila e só tinha direito a um litro.
Eu tinha 10 anos e, na época da guerra, houve aqui Aderval Tenório, estudante, já querendo advogar, e eles fizeram o enterro de Hitler no encerramento da guerra; foi em julho, mais ou menos. Então foram tocar fogo, e papai disse ‘‘Zé Pinto, vá buscar o gás!’’. Peguei meio litro; jogamos em cima do caixão e tocamos fogo. Tudo foi só no centro; houve aquela aglomeração, umas cinqüenta pessoas, o Aderval falando, entusiasmado.
Iluminação naquele tempo
Não tinha energia e era tudo escuro. Você andava assobiando e perguntava: ‘‘Quem vem lá?!’’ Tinha uma casa, que pertencia ao Coronel Manoel Rodrigues da Rocha, no centro da cidade; era iluminada com carbureto, que é iluminação parecida com soda de oxigênio. Esse sobrado era todo encanado com cano de cobre, e você tinha umas torneirinhas, abria e ficava aquela luz, e clareava toda a praça: meia hora por noite, dia de domingo, eles acendiam a frente desse sobrado.
A energia primeiro era a motor; um motor a diesel e , era na Rua Barão do Rio Branco; pertencia ao município. Funcionava de seis às oito horas, mas dava um sinal. Vai apagar; aí, dava três sinais e todo mundo se preparava para acender o candeeiro. Depois fizeram um prédio só para ele, onde é a Câmara dos Vereadores; já é o segundo motor, um negócio que iluminou a cidade toda. Naquela época do motorzinho, era um poste aqui, outro na outra rua, era um poste por rua, só para iluminar algumas casas, depois é que teve a ampliação para um motor possante. O primeiro foi em 1920, agora em quarenta e pouco teve o maior, já para iluminar a cidade inteira. O grande era até dez horas.
Um pouco sobre o cinema
Nesse tempo não tinha cinema. Surgiu em 49, mais ou menos e era num sobrado, um salão que servia para júri; vamos dizer, era o fórum daquela época, e tinha o cinema de Zé Francisco, santanense que morava em Campina Grande, e veio botar esse cinema aqui. O segundo, era o Cine Glória. Agora, teve um aventureiro compadre meu (Tibúrcio Soares) que fez aqui o melhor cinema do estado, só tinha depois o do Peixoto, em Penedo, e o Alvorada aqui. No meu tempo de arrendatário, juntamente com Eraldo Bulhões,com exibições de filmes como, Bem Hur, cereado de Tarzan e Paixão de Cristo, eram garantia de bilheteria. Alugamos o cinema daqui por dois anos, era o mesmo Alvorada.
Um pouco sobre o comércio
Na época em que a gente morava na mercearia, eu já tinha dez anos, e ia jogar futebol, mas naquela época quem ia jogar era considerado maloqueiro. A gente jogava na garagem do seu Antônio Augusto, hoje é o Banco do Brasil. Era um divertimento; quando eu voltava para casa, já sabia que mamãe ia dar dois bolos.
A mercearia vendia mais bebida, rapadura, vinagre. Chica Boa era a cachaça mais vendida. Era bebida e refrigerante; tinha uma fábrica de refrigerante aqui, pertencia a Seu Jota T de Aquino e era o guaraná Globo, durou uns dez anos e a fábrica era no centro da cidade mesmo. Vendia de muita coisa, charque, bacalhau, açúcar, arroz, feijão e café. Era um mercadão. Tempos depois, na década de 60, aqui em Santana, faziam a cachaça Mata Sete e Gavião que era de Seu Dilermando Brandão, ficava na Camuxinga, depois da Ponte do Padre. Havia, também, a cachaça de seu Manoel Lopes e era fabricada no centro. Os dois faziam também vinagre, vinho. A cachaça era desdobrada de álcool que vinha de São Miguel e outros pontos.
Em 45, 47 papai vendeu a mercearia e veio morar na Rua Nova. A gente só passou um ano, porque ele entrou no comércio de cereais, na Rua de São Pedro; vendeu a casa da Rua Nova por doze contos, construiu na Rua São Pedro com seis e ia comprando os produtos na própria residência. Os quartos eram cheios de feijão, milho e algodão. Então depois de dois anos fez um armazém mais abaixo, e nesse armazém a gente trabalhava dia e noite às vezes. Eu e um de meus irmãos ensacávamos e costurávamos.
Um pouco sobre a educação
Terminei o primário em 49. Minha professora se chamava Maria da Luz; está viva. Fiz o primário até o terceiro ano; ela não podia dar certificado de conclusão, fui para o Grupo Escolar Padre Francisco Correia. Nessa época o comércio de papai na Rua São Pedro estava desenvolvendo. Passou 50, em 51, em outubro, Eraldo Bulhões foi na Rua São Pedro; foi me chamar e disse ‘‘Vá estudar’’e fui fazer o admissão, em outubro de 51. O admissão daquela época era um vestibular de hoje. Foi para o Ginásio Santana, que logo depois passou para Campanha Nacional de Educandários Gratuitos. Eu tinha uns dezesseis anos.
Um pouco sobre a cidade
O homem mais rico. Existia seu Zé Porfírio, fazendeiro, tinha beneficiamento de algodão. Aqui produzia muito algodão e tinha cinco beneficiadores. E eles pegavam a lã e vendiam para Pilar, Rio Largo, Sergipe.
Por volta dos meus 13, 14 anos, no centro existiam três grandes prédios, sobrados; cinco ou seis lojas no outro quarteirão. Isso foi o que Seu Ulisses Silva derrubou, quando foi Prefeito, na década de sessenta do Major Luiz. Agora tinha ruas estreitas. Do outro lado da ponte – do Riacho – Camuxinga – existia o vapor de seu Porfírio. Era uma ponte de madeira, passava pedestre só, e depois com a enchente de 49 fizeram uma ponte de vergonha, e ficou passando carro. Naquele mesmo lado, tinha o curral de gado de Seu Zé Porfírio, que é onde tinha aquelas pegas de boi; fui assistir muitas. Era basicamente isso. Essas pegas de boi nada têm a ver com as vaquejadas de hoje. Entrava na munheca, sem cavalo e sem nada, sem corda. Quem conseguisse derrubar o boi, era o vencedor.
Sim. Primeiro tinha casa do Padre Bulhões. A casa do Padre Bulhões era o hotel de Santana. Em 1940, 1941, quem chegava aqui, ia para casa dele. Tem até uma história de que chegaram umas mulheres e foram para lá, e ele disse: ‘‘Maroquita, dá comida a essas mulheres’’. Maroquita era a irmã dele; encheram a barriga e ele disse ao sacristão conhecido como major ‘‘Olhe, aqui não é o lugar de vocês não; o lugar de vocês é ali, no cabaré!’’. A Verinha era no final da cidade, hoje no começo da atual Rua Tertuliano Nepomuceno. Lá, depois dela, teve Artur Morais e o nome era Meu Cantinho, final da mesma rua, próximo do lugar onde o pessoal deixava os cavalos para ir à feira, local conhecido antigamente como Intendência.
Bom, depois construíram o Grupo e o Hospital lá perto de onde era o Zé Porfírio; aí desenvolveu – mais ou menos 1960 –, ao mesmo tempo quase que começou o trabalho do seu Ulisses Silva. O povo rico começou a construir umas casas melhores, subindo, na Rua Coronel Lucena, continuação, porque ela vinha até a praça. A modernização da arquitetura é do final dos 50 e início dos 60. O Prefeito derrubou, arrancou o calçamento que era aquelas laje de pedra, calçou tudo. E daí ele derrubou aqueles prédios, indenizou, e fez o centro bem grande. Defronte da igreja antigamente tinha uma praça muito bonita. O Prefeito Isnaldo Bulhões ampliou, melhorando o fluxo de trânsito, fez uma arquitetura moderna. Tem uma foto: a praça de Santana era a mais bonita do mundo, tinha um coreto. Quase todo o centro hoje é comércio, não tem mais lugar desocupado.
O desenvolvimento do comércio foi muito forte, porque era uma cidade pólo. Aqui foram desmembrados nove municípios, e sete deles concentram o movimento em Santana. Foi havendo tal volume de negócios que uma área anterior ficou especializada em comércio, e o pessoal que tinha mais dinheiro começou a construir fora dali. Isso foi concentrado praticamente numa direção, porque a outra área é o Ipanema e então as casas melhores são na região do Monumento. O oeste é o outro lado do rio, hoje expandiu também, inclusive o maior hospital da região é lá. É, tudo mais recente. Agora o leste é expansão residencial.
Um pouco sobre as cheias
O Ipanema dá cheia. Tem uma rua – da Praia que chamam. Quando dá uma chuva mais forte os bombeiros já vão avisar, e as pessoas saem de casa. E em 41, foi a maior enchente do rio. Presenciei a de 41; e estava com sete anos, com um problema de uma cicatriz na perna, de uma ferida, e papai me levou num animal, para vir aqui, na perfuratriz, que era uma caixa d’água do Governo Federal, e lá, nessa perfuratriz, a altura da água ficou na janela, e vinha até perto da cidade, lá em baixo. Em 49, já foi o Riacho Camuxinga; houve uma tromba d’água aqui na nascente, na Serra do Poço, e rolou uma pedra de trinta toneladas na Serra da Camonga, e nessa tromba d’água, carregou a ponte de madeira, e invadiu o Ipanema. O Camuxinga se encontra com o Ipanema aqui dentro da cidade.
Uma lembrança do IBGE
Entrei em 52 no ginásio, em 53 fui nomeado funcionário público federal; entrei no IBGE, mas era só um horário. E à tarde eu ia para o armazém, e o sábado era o dia de movimento, de feira. Aí continuei ajudando a meu pai. No IBGE fazia pesquisa. Registro civil, então a gente tinha relatório de todos os registros dos cartórios, e ia transcrever todas aquelas informações; era feito na caneta, com o tinteiro, molhando o bico da caneta. Eu já estava independente financeiramente nesta época.
Em 56, 57, passei a ensinar como professor de geografia no ginásio e em 58 conclui contabilidade; em 58 constituí meu escritório de contabilidade. Nesse tempo. Meu cliente era só prefeituras. Eu criava os municípios no IBGE, todos esses nove municípios, fui eu quem fiz as leis.
Fui chamado em Maceió uma vez, para a Assembléia, – porque estava lá ainda a discussão de Ademar Medeiros e seu Elesbão; um do Poço e outro de Maravilha – , para que eu retificasse de última hora para dar entrada. Eu fui lá, datilografei. – ‘‘Ah, que a casa de compadre é de Maravilha.’’ Aí eu fiz, do riacho tal, para a casa de fulano, a tantos metros da casa de seu Francisco Pedro’’ depois disso a casa de seu Francisco acabou-se, quem sabe onde está mais isso? Hoje depois que veio o GPS...
O algodão e a economia
O algodão caiu no caminho dos 70. Em 47 veio aqui a Lagense, firma algodoeira de Carlos Lyra; instalou o beneficiamento de algodão; aí quando foi em 51, meu sogro , Domício Silva, comprou a Lagense, e estava de vento em popa. Aí tinha esse, o irmão Arnóbio Silva, só ficaram os dois, o resto. Aí quando foi em 70, apareceu o bicudo, diminuindo drasticamente a produção, passando um bom tempo sem algodão; posteriormente, ele vinha da Bahia, Irecê especialmente na década de 80.
O feijão teve o seu auge também, mas depois caiu. Mas aí era feijão e milho. O impacto do algodão não foi muito grande; foi caindo lentamente, os antigos fecharam, e ficaram dois irmãos aqui, aí foi diminuindo o algodão, eles ainda importaram muito para continuar funcionando as máquinas, importaram da Bahia, e ainda hoje importa. Também vinha caroço do algodão para fazer ração. Quando o algodão foi se acabando mesmo, entrou a pecuária, foi o que salvou a região, aí já na década de 80. Aqui, passou-se a valorizar o leite e hoje o que está mantendo é a pecuária. Aí saiu o algodão, mas como tinha muito feijão e milho, não houve um caos.
Educação e transformação
Fui convidado pelo professor Alberto Agra para ensinar no ginásio: Geografia. Existia no banco naquela época trinta funcionários e a maioria era professor do ginásio. Esses professores eram pessoas importantes na cidade, então numa reunião professor Alberto fez uma solenidade de entrega de certificados, e esqueceu-se de chamar um deles, e no outro dia teve a carta de renúncia de cinco.
A atração de Santana era esse colégio. Eu fiquei muito feliz, também queimei muita pestana. É, queimei muita pestana. Tudo na minha vida estava modificando; era professor, quase contador, funcionário público federal. Depois eu fui ser Avaliador do Banco do Brasil. A cidade começou a mudar principalmente com o ginásio. Era o único educandário que tinha o segundo grau na região sertaneja.
Após 25 anos de vida eu estava encontrando a transformação de tudo. Quem transformou a educação aqui foi Doutor Hélio Cabral, em 1956 ele já criou aqui um museu, ampliou a biblioteca e criou a feira de livros. Já pensou, num mato daquele uma feira de livros? No centro da cidade, fizeram um barraco, e tinha livro a semana toda, vendendo, de graça, ele dava a uns e outros, Hélio Cabral foi quem desbravou a educação daqui. Ele remodela a educação e a cultura em Santana. A infra estrutura foi seu Ulisses Silva Início de 60. Impacto na infra estrutura urbana foi o seu Ulisses Silva, inclusive porque ele era como um atento mestre de obras, todo dia ele estava lá, no pé da obra. Arrancou os calçamentos antigos e colocou paralelo em tudinho.
Terminei assumindo a direção do ginásio.
Eu sete horas da noite estava no ginásio, quando bedel faltava eu abria as portas e tomava conta de tudo. Eu devo tudo na minha vida ao colégio de Santana, porque eu vim de uma roça, de um armazém. Aí Eraldo se candidatou, eu assumi e depois eu fiquei vice desses outros todinhos. O ginásio era de uma importância imensa, porque era o único estabelecimento, pioneiro, de primeiro e segundo grau, e educou muita gente, eu fiz um cálculo, desde 1950 até2000, ele tinha educado dezesseis mil alunos. Hoje eu continuo lá, sou diretor administrativo do patrimônio, há mais de dez anos, com recursos pingados, construímos quatro salas de aula, e hoje estou vendo a realização, nesse colégio, pólo da Universidade Federal de Alagoas, mantendo dez cursos funcionando lá.
Tem o curso de administração; tem cento e poucos alunos. Os gerentes de banco por exemplo de Piranhas, Pão de Açúcar, Arapiraca, todo mundo está fazendo esse curso aqui. Quer dizer, ver um colégio que começou, e eu estou lá desde 1951. Até hoje, toda a parte administrativa, financeira do patrimônio é coordenada por mim. Em 1975, eu não gosto, mas tem uma sala lá com meu nome. Eu digo sempre na conversa com os alunos, ‘‘Olhe meu filho, se não fosse isso daqui, eu estava na roça hoje. Mas graças ao ginásio de Santana, meu curso de contabilidade, que foi muito bom financeiramente para mim, eu estou aqui.
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