Corria o ano de 1944. Em Santana do Ipanema Seu Zeca e D. Aristhea formavam um jovem casal, de 31 e 27 anos, respectivamente. Tempo de vacas magras. Família crescendo. Já éramos quatro: José Geraldo, Manoel, Maria Helena e este modesto escriba. Os caraminguás que nosso inesquecível pai, Zeca Ricardo, recebia pelo ofício de sapateiro (uma das poucas profissões que a cidade oferecia), já não eram suficientes para suprir as necessidades básicas da prole. Daí, arribamos para a Fazenda Laje Grande, de propriedade de nossos saudosos avós paternos, Antônio Ricardo e Dorothea Vieira, com a esperança de vislumbrar uma luz no fim do túnel. Ali veio a nascer Paulo Jorge, o quinto rebento.
Na tentativa de buscar dias melhores para nossa família, em 1947 tomamos o caminho de Riacho Grande (chamado na época de Usina, hoje Senador Rui Palmeira). Em lá chegando ficamos alojados – enquanto era construída nossa casa – em um velho galpão, onde havia funcionado uma usina de beneficiamento de caroá, para confecção de cordas. Naquele local veio ao mundo Francisco (o Tamanquinho) em um cômodo roto, dotado de apenas uma porta, cujo fechamento era feito com o auxílio de uma esteira de piripiri. Na nova morada nasceram Ana Maria, José Ugo, Luiz Adelmo e Verônica. Permanecemos naquele aconchegante lugarejo até o retorno, em definitivo, para Santana, no dia 17 de março de 1957.
Nosso pai havia assumido o cargo de enfermeiro na Cooperativa dos Rodoviários Ltda., empresa vinculada ao DNER, cujo órgão disponibilizou um caminhão da repartição para proceder ao transporte da mudança. Nós, os filhos, fomos acomodados na carroceria do veículo, no meio dos cacaréus e, na boléia, nossos pais, além de seu Arlindo, o motorista. D. Aristhea, bastante chorosa, conduzia Verônica no colo e Maria Dorothea no bucho. Seu Zeca, apesar de sua peculiar tranqüilidade, não tinha como esconder o “nó na goela”, por ter deixado pra trás sua modesta casa comercial, composta por um misto de bodega complementada por uma pretensa botica. Naquele dia deu adeus também às caçadas de asas brancas, juritis, inhambus, etc., como também às pescarias na barragem do governo ou na barragem da Fazenda Cinco Umbuzeiros, de propriedade de seu velho amigo Zé Porfírio. Ali ficaram, também, seus autênticos amigos e compadres: seu Zé Wanderley e sua filha D. Nenê, Seu Sinhozinho e D. Bizi, Seu Matias e D. Tereza, seu Mané Guedes e d. Maria, seu Zacarias e D. Quinô, Virgínio Vieira e Quiterinha, Antônio Paulino e Estelita de seu Zé Dantas, seu Marinho e D. Aurora, seu João Lixande e D. Dedé, seu Mané Neco e D. Tercília, seu Virgílio e seu Rafael Machado, seu Chico Vieira e D. Iraci, seu João Paulista, seu Chocolate (delegado de polícia) e D. Irene, etc.
Naquela despedida, nós, as crianças, também nos separamos dos amigos de infância, companheiros dos jogos de bola de meia, de ximbra, de pião e das caçadas de peteca (baleadeira). Ainda hoje povoa a minha memória as figuras de Abdias de seu João Lixande, Noé de seu Mané Guedes, Gobeu, Nego Oscar (a este devo praticamente minha vida, pois ele me salvou de afogamento no riacho local), Cícero de seu João Paulista, João de Santina, Manezinho de seu Mané Neco, Mané de D. Juvina, Mané Bunda de Novelo, Onildo Vieira, Cícero de Quincas Vieira, Nicaula de seu Sinhozinho, Maria e Amália de seu Rafael Machado, entre outros que fogem de minha já combalida memória.
Carro em movimento e toda a trajetória da viagem continua viva em minha fonte de recordação. Fazenda Calango Verde, de Seu Pedro Vieira; Fazenda Aldeia, de seu Zé Laurendo; uma parada na mercearia de seu Leônidas em Olho d”Água do Amaro; Fazenda Batatal, torrão natal de minha avó paterna, D. Dorothea; Riacho do João Gomes, cuja passagem era chamada de “vôo da morte”, por conta da ladeira íngreme existente; e, finalmente, Santana do Ipanema, nossa derradeira parada.
Dali em diante começou uma nova etapa da Família Farias – ou Família Sorriso, como atribui generosamente Remi, nosso poeta-maior – que foi complementada com o nascimento de Maria Dorothea e Edgard, os “pontas de rama”.
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