NAS CURVAS DO CAMINHO ...

Crônicas

Por João Neto Félix Mendes - Primavera/2019

Comunidade Jovem na Matriz de Senhora Santana em 1981 Fonte: Acervo de João Neto Felix Mendes

À memória de José Raimundo Aquino

Em 1978, foi fundado em Santana do Ipanema o segundo movimento de jovens cristãos, denominada COJEBI- Comunidade de Jovens em busca do ideal. Foram os fundadores: Vladimir Pontes jardim, Jorge Luís Gonzaga, Ivonise Carvalho Silva, Maria do Carmo Araújo e Rosinete Vieira da Silva.

As comunidades eclesiais de base são comunidades inclusivistas ligadas principalmente à Igreja Católica que, incentivadas pela Teologia da Libertação após o Concílio Vaticano II se espalharam principalmente nos anos 1970 e 80 no Brasil e na América Latina.

Consistem em comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial e de carências comuns, vinculadas à igreja, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com a vida, com a realidade política e social em que vivem, refletindo sobre as misérias cotidianas com que se deparam na vida comunitária.

Através da hermenêutica do método ver-julgar-agir buscam olhar a realidade em que vivem (ver), julgá-la com os olhos da fé (julgar) buscando nunca perder de vista o dom da tolerância e o dom da caridade. Sem, no entanto, deixar que a razão fique obnubilada e encontrar caminhos de ação e contemplação, mesmo que impulsionados por este mesmo juízo prático ou teórico à luz da fé (agir).

Em julho de 1979, sob a gestão da líder Ângela Maria Bezerra, o movimento resolveu organizar a missa dos jovens durante as festividades da excelsa padroeira Senhora Santana no dia 20.07.1979. Portanto, eu e Raimundo Aquino conhecemo-nos irmãos na fé e nos juntamos ao grupo durante os preparativos para a celebração. Daí em diante compartilhamos amizade, dúvidas, fé, aprendizados e, nas curvas do caminho, tomamos rumos diversos.

A comunidade foi essencial porque começamos a vivenciar a fé e, ao mesmo tempo, atuando como voluntários da paróquia Senhora Santana como catequistas, ajudando nas celebrações litúrgicas, nas obras sociais da paróquia e bairros da periferia da cidade, sempre com a orientação do Padre Cirilo e supervisão da Irmã Letícia que nos assistia.

Naquela época eu havia iniciado o aprendizado de violão. Foram muitas noitadas de seresta na praça São Pedro, com os amigos comuns Elgídio, Raimundo e Dotinha. Como nem tudo são flores, vivenciamos as angústias e incertezas da chegada da vida adulta. Na vivência da fé a aridez também se fez presente. Raimundo se afastou do movimento por uns tempos.

Depois de muito insistir para que voltasse ao convívio da comunidade jovem, ele reapareceu como convidado. Então, aproveitamos a ocasião para fazer uma apresentação emocionada da canção “Pensamentos” de Roberto/Erasmo Carlos (1982) que o emocionou e o trouxe de volta. Momento que se eternizou por si só. Após isso, retomou as atividades conosco.

“Pensamentos que me afligem
Sentimentos que me dizem
Dos motivos escondidos
Na razão de estar aqui
As perguntas que me faço
São levadas ao espaço
E de lá eu tenho todas
As respostas que eu pedi

Quem me dera que as pessoas que se encontram
Se abraçassem como velhos conhecidos
Descobrissem que se amam
E se unissem na verdade dos amigos

E no topo do universo uma bandeira
Estaria no infinito iluminada
Pela força desse amor, luz verdadeira
Dessa paz tão desejada

Pensamentos que me afligem
Sentimentos que me dizem
Dos motivos escondidos
Na razão de estar aqui

E eu penso nas razões da existência
Contemplando a natureza nesse mundo
Onde às vezes aparentes coincidências
Têm motivos mais profundos

Se as cores se misturam pelos campos
É que flores diferentes vivem juntas
E a voz dos ventos na canção de Deus
Responde todas as perguntas

Pensamentos que me afligem
Sentimentos que me dizem”


Voltamos a nos encontrar em 1983 tomando posse no quadro inaugural da recém instalada agência do Banco do Brasil, como funcionários efetivos na agência de Poço das Trincheiras. Raimundo foi investido do cargo de fiscal. Adquiriu um fusquinha bege que passou a ser sua ferramenta usual de trabalho. O fusquinha turbinado sabia de cor os caminhos da Serra do Poço que subia incansavelmente pelos quatros cantos. Profissional competente, respeitoso e comprometido com a sua missão. Companheiro solidário, espirituoso e bem-humorado na vida social.

Nossa convivência no BB sempre foi muita harmoniosa. Trabalhamos muito, mas desfrutamos de muita amizade tantos dos colegas de trabalho, quanto da sociedade local. Foram anos inesquecíveis.

Quadro inaugural dos servidores do Banco do Brasil Poço das Trincheiras em 1983 Em pé: Dorinha, Socorro, Bartolomeu, Emília, Isabel, Raimundo e João Neto Sentados: Antônio Sobrinho, Edson(gerente) e Sebastião. (Acervo de João Neto F. Mendes)



Lúcia ingressou no grupo de jovens em 1981. Fui testemunha de que se conheceram no movimento, começaram a namorar e se casaram em 1987.

Em 1988 se tornou maçom. Os estudos evangélicos e os trabalhos sociais voluntários desenvolvidos na comunidade jovem agora também estariam a serviço da loja maçônica e, por conseguinte, da sociedade santanense.

Em 1989 separamo-nos, novamente: voltei para a agência de Santana e, em 1990, Raimundo foi transferido para Maceió. Mantivemos contatos à distância. Encontramo-nos uma década depois em Maceió, no reencontro dos santanenses em 2013.

Reencontramo-nos, mais uma vez em 2013. Eu trabalhando em Campo Alegre e ele, em São Miguel, como líder daquela região da mata alagoana, onde decidiu se aposentar.

Voltamos a nos encontrar em Arapiraca, em nossa casa em 2015, para um dia de conversa e descontração juntamente com Antônio Kupim, esposa Isabel, Bartolomeu R. Oliveira e Raimundo e a Lúcia. Aquele foi um encontro significativo após quase 30 anos da posse no BB em Poço das Trincheiras.

Segundo nosso amigo comum, Tonho Kupim, compadre e irmão maçônico do Raimundo, transcrevo parte da sua descrição do perfil maçônico do Raimundão, escrito em 2014:

E na Maçonaria?

“Chegou em 08 de outubro de 1988 pela Augusta, Respeitável e Benfeitora Loja Maçônica “Amor à Verdade” nº 1895, de Santana do Ipanema, sua terra de adoção e de coração. Subiu o segundo degrau em 1º de maio de 1989 e atingiu a plenitude em 05 de abril de 1990. Foi instalado Venerável em 28 de maio de 2011.

Nesse périplo passou por todos os cargos, mas gosta mesmo é de ser Vigilante. Vigilante da ritualística, da disciplina, da harmonia, dos rituais, dos princípios da Ordem, do clima de paz e de harmonia em loja. Militou na “Amor à Verdade” com proveito até se transferir para Maceió, onde se integrou aos quadros da “Lafayette Bello” nº 2022 e ali continua até hoje, sempre somando, juntando, unindo, brigando como “cachorro doido” pelo engrandecimento da loja e da Ordem. Em 2010 alistou-se entre os fundadores da ARLS “Alexandria”, em Maceió, Loja que vem restabelecer o Rito Adonhiramita em Alagoas depois de décadas adormecido. Parece ser de confiança naquela Oficina, uma vez que lhe deram o cargo de Tesoureiro.

Na “Lafayette Bello” é atualmente Venerável e nessa posição alcançou a graça que milhões de maçons pedem a Deus: empunhou malhete e espada e recebeu um filho Aprendiz Maçom. Pedro iniciou – ou foi pelo pai recebido Maçom – em 24 de novembro de 2011. Agora em novembro de 2012 Raimundo Aquino ainda será o Venerável e aplicará nova bateria sobre Pedro, elevando-o ao segundo grau. Em Maio de 2013 ainda lá estará para conferir a plenitude maçônica a seu primogênito. “E viu Deus que isso é bom” (Gênesis 1,10).

Trabalhando atualmente fora de Maceió, em tempo integral, Raimundo Aquino ainda reúne tempo e disposição para visitar lojas 3 ou 4 vezes por semana em Maceió, em Penedo, em São Miguel dos Campos, em Marechal Deodoro e alhures, sem prejuízo de sua Lafayette. Como arruma tempo para compor o Conselho Estadual da Ordem do GOB-AL? Sabe Deus!

Será um obreiro “útil e dedicado” enquanto Deus o mantiver entre nós. E esperamos que aqui o mantenha por longos e dilatados anos.”

Diz-se que Raimundo morreu. Morreu?

Não, pessoas como Raimundo não morrem. Encantam-se. Tornam-se craibeiras frondosas, floridas e rusticamente fincadas no chão estorricado desde à margem do Rio São Francisco a Santana. Como canta o cancioneiro popular “...vamos salvar as serras da beira do rio a Santana.”

Torna a ser semente e com a força da fé vai subindo as profundas marcas dos caminhos secos do Rio Ipanema. Em Santana, êxtase! Vai seguindo as marcas sinuosas e estreitas do Riacho Camoxinga, dispersando sementes às margens arenosas, entre os muçambês. Contornando caminhos e obstáculos adentra as entranhas da Serra do Poço. Ali repousa, multiplica-se e espalha sementes. Com sopro mágico, levantam-nas e alçam voos pela força dos ventos e continuam brotando vigorosamente no cume dos montes e alhures.

Plenitude; elege-se árvore de proteção, galhos abertos lançando flores e sementes a esmo que vão flutuar, deitar-se e desabrolhar no chão quente e seco dos sertões.

Do alto, de um lado, Santana do Ipanema e do outro, Poço das Trincheiras e horizontes infinitos. Tudo se eleva e vai ficando incrivelmente azul. O destino é ser horizonte onde a vista não alcança e onde as belezas se dissipam e se reencontram no movimento contínuo do universo na busca incessante da harmonia... A gente não vê, porém está lá...

No impulso mágico, vagalumeando, lança-se ao jardim sideral, pousando e iluminando as flores astrais i“infatigavelmente, parodiando o sol e associando-se à lua, quando a sombra da noite enegrecer o poente!”

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