quem foram os pais fundadores
de seus modernos planejamentos
e acaso
as cidades não tiveram mães?
cidade massificada é uma fila
de quem primeiro chegou
é o fim dos ideais dualistas
dos "bárbaros" e "não-bárbaros"
a elite sofre com as cidades
massificadas dos concursos públicos
que combatem o sr. nepotismo
cidades são úteros de deficientes
de doentes mentais
o urbanismo moderno, jane
jacobs, abandonou o lugar?
e o fim da cidade é a infocidade
e os guetos desinformacionais?
quem escreveu o texto clássico
sobre plano diretor urbano e as
docklands e a cidade da teoria
e as calçadas cheias de vida?
como serão as cidades
amanhã peter hall (?)
e o que é feito da ralé urbana
quando
se forma o círculo acadêmico?
howard sonha com cidade jardim
le corbusier com ville radieuse
burnham com city beautiful
o que preferem as crianças
banharem-se de playground
e parques jane jacobs
ou se fartarem de ruas
as cidades artificiais são dos turistas
as cidades dormitórios dos não-morcegos
a cidade engole e a mesma cidade cospe
a página branca é essencial se
le corbusier é espaço abstrato
todo lugar é histórico
uns respeitam normas
pra outros que são anômicos
nas letras do finado romero
camada por camada
sem vínculos burgueses
nem ranço aristocrático
ei-las as novas-cidades
no rio de janeiro de barata ribeiro
a capital da república e dos cortiços
"o-cabeça-de-porco de 18 93" foi um
com a noite chegaram a polícia e os bombeiros
como escreveu sidney chalhoub
cortiços e epidemias na corte imperial
reocupem-no depois atrás do mesmo morro
construam novas casinhas
no chamado morro-da-favela
habitem-no os egressos da campanha
de canudos (em 1897)
de cabeça-de-medusa
os jornais chamaram
o de cabeça-de-porco
e o prefeito barata personificava
figura mitológica do grego perseu
o jb alertava o ressurgimento dos cortiços
como hidras nos 12 trabalhos de hércules
sobre criminalidade
a inglesa mary carpenter
fala dos meninos de rua
como infância culpada (de 1840)
e lima barreto não é só literatura
é a história do brasil
quem primeiro começou a habitar
os cortiços no brasil foram estrangeiros
e os escravos libertos e os não-libertos
uma espécie de moradia um gueto
com portões que se fecham à noite
como as classes em veneza cidade-estado
onde shakespeare ambientou seu mercador
os escravos longe de seus senhores
obtinham autorização pra viver-sobre-si
era tido por há-um-caminho-pra-liberdade
se não há febre amarela vem cólera
diziam os higienistas da corte imperial
e logo lhes chega a tísica como moléstia endêmica
no tempo em que as "classes pobres"
eram vistas "classes perigosas"
no projeto de posturas urbanas
no rio de janeiro do século XIX
o lixo se acumula
e o que diz a junta central de higiene
da illma. câmara?
quando o cargo de prefeito só viria em 1892
o que é estalagem?
o que é um cortiço?
pergunte a backheuser que dizia
"há cortiços onde se penetra com o lenço ao nariz
e de onde se sai cheio de náuseas"
era o resultado do crescimento da cidade
opimido no dà ©ficit de moradias
o tempo em que deu-se à caça aos cortiços
enquanto NY no mesmo século XIX
os imigrantes pobres e ex-escravos
construíam "favelas" nos mangues
cobertos de terra e entulhos
onde habitava cada população em seu distrito
vieram o tifo a febre amarela o cólera
e durante as epidemias
quase toda Nova York ficou fantasma
e neste outro lado da américa
no RJ não se puxa mais vacas
de porta em porta
pra se vender o leite na hora
depois do código de posturas
tudo em nome do comércio e da indústria
a imprensa instituiu à caça aos violões
não se cospe mais no chão dos bondes
nem se expõe mais "carnes à entrada dos açougues"
difícil será ver a "vadiagem de cachorros
soltos pelas ruas" nem "a falta de pintura
na fachadas dos prédios"
"a presença de entrudos e cordões no carna val"
porque o brasil agora tem status "europeu"
ou no registro de pamplona "civilizado"
novas palavras nascem na cidade
de arbustos no sertão nordestino
favela vira favelados aos ex-soldados
e a estes providenciaram o RJ de 1897
aos que lutaram contra canudos
e vieram descansar da luta no RJ
nas encostas do morro da providência
e assim a semântica estigmatiza o urbano
com "slum" "favela" ou "dâhia" pra dizer subúrbio
ou periferia como espaço anárquico
e onde se construiu "mustachfâ" (árabe)
não é mais como se dizia "dâr al-chifâ"
porque "o lugar onde se busca a cura"
não é mais a "casa da cura" na turquia até 1945
no poema do beco manuel bandeira
que importa a paisagem a glória a baía
a linha do horizonte? se manuel o que vê
é o beco como se manuel nã o-açoriano co-
nhecesse porto alegre cortada por becos
a cidade é um corpo que adoece
e como corpo a cidade incha
no dizer de freyre que viu recife
inchar e não crescer e desenvolver-se
cidade higiênica
cidade que se la-
va que se banha
de carros-gente
e como corpo a cidade tem artérias
e veias desde antes do século XVIII
desde o urbanismo do velho séc. XIX
cidade e biologia são gêmeas siamesas
quase toda a cidade é cheia de anomalia
hipertrofia macrocefalia - ah SP
com suas doenças epidêmicas
onde fica o coração da cidade?
na boca
nos pés
nas pontas dos dedos as unhas
no urbanismo ordenado de le corbusier
os vasos capilares das cidades
tem que se transformarem em artérias
pra não morrerem as grandes cidades (de 1923)
nas metáforas de geddes
as estradas de ferro
são artérias pulsa ntes
(e os fios telegráficos são nervos?)?
você com essa língua ligada
falac-omoi- sefosse cidade-fantasma
muitas cidades não passam de pústulas
outras têm tantos braços cobiças unhas
cidade fábricamáquina
no urbanismo funcionalista
algumas cidades são só esgotos
a cidade é o desejo
ou tudo será
como poe descreveu
"um homem na multidão"
à procura de "a esfinge" e
encontra na cidade
"um aperto"
(?)
ou nada será
só um olhar
do alto (?)
o homem e a mulher
ao invés de ocuparem calçadas
oculpam ruas competem com autos
no final dos anos
os bairros eram sítios
criações de animais
as casas predominavam de madeira podre
carros só variantes fuscas brasílias kombes
muitas bicicletas trafegavam silenciosas
nas estradas de paralelepípedos
o povo ainda hoje de ixa a calçada
pra andar no meio de ruas tapetes-pretos
num complexo de carros de outras psiques
as ruas foram tomadas por lojas de $1,99
e as casas tradicionais faliram de repente
desde o olhar das praças mudas
das ruas das calçadas da cidade
dos pontos de ônibus dos metrôs
as indústrias atraem com esperança de pão
e café em casa e cerveja no fim-de-semana
regados às frustrações da pelada-futebola
as mulheres estão frenéticas nas estradas
fogem de casa feito o cafrugeste da cruz
entregam as suas crianças às creches
deixam queimar o arroz do domingo
enchem de pernas a cidade num jogo
aquele grupo de dominó sentado à mesa
foi antes arrancado da vida do campo
atraído por luzes da cidade quais insetos
iludidos com o brilho como iludiu paris
a cidade não é um dois três quatro
são múltiplas
uma derramando dentro da outra
e n o sétimo dia veio o sublime na arquitetura da urbe
as máquinas e os manicômios as estações autoviárias
e os condomínios de operários desoperariados
e a presença do grotesco como revela maria stella
em "cultura e cidades"
aqui construiremos o teatro-feijão-com-arroz e ali
será erguida a prefeitura e mais adiante a universidade
não se esqueçam do parlamento para parlamentar
ou querem mais alguma prova dos símbolos burgueses(?)
a mesma burguesia útero do homem-mecanicista
se não é um laissez-faire
é um self-help do salve-se quem puder
Comentários