ZÉ PANTA

Crônicas

Luiz Nogueira

Colaboração do muralista Roberval Noia


Alto e magro, achava-se um "moreno queimado pelo sol". Preto, nunca! Passava muito cedo vendendo pães da padaria do "Seu" Siloé. Mesmo muito jovem tinha incomuns arranjos de inteligência. Ninguém que o tentasse pegar com tapeações. Tinha respostas fulminantes. Ria de outro vendedor de pães quando dizia para a minha mãe:

– Imagine a senhora que aquele vendedor de pão ao invés de dizer "pão petrópolis", sai por aí gritando "pão petróleo.

E depois, dava boas gargalhadas.

Um dia Zé Panta fabricou uma "sopa", espécie de ônibus, com tábuas de caixões de querosene, frágeis. Um sucesso! O ônibus cabia quatro pessoas e descia a ladeira do velho Fomento Agrícola, indo parar nas areias do Ipanema. Algo inédito, a "sopa" revelava o engenheiro escondido que havia naquele menino cheio de arranjos de inteligência. E não espantava ouvir as pessoas afirmarem:

– Um gênio! Só precisa de uma escola superior.

Mas as noites de lua e o violão exerciam mais fascínio sobre o menino, que crescia e se fazia homem. Homem que adorava um terno de linho irlandês, branco, a balançar a vento. Tanto que, indagado sobre o preço do terno respondia:

– Quem dá o preço é o vento.

Depois ria, dava alguns passos e olhava para todos de modo sobranceiro.

Um dia criou um conjunto musical. Dava festas. Fazia serenatas. E mais que isso, havia criado uma variante para dançar o bolero. Tinha um jeito especial de frear o passo, subitamente, e trazer a dama sobre o seu joelho aproximando-a do seu corpo e do seu rosto. Depois soltava-se, ágil como um pássaro, liberando a dama para, outra vez atraí-la como um imã e, novamente repetir a cena do passo onde parava subitamente, arrancando aplausos nos salões onde a fumaça dos cigarros criava fantasias sobre as lâmpadas multicoloridas. E isso não bastasse a sua voz já era comparada com as das aves canoras.

Um dia, abrilhantando uma festa noutra cidade e depois de muitos aplausos foi até o bar. Tomava uma cerveja quando alguém o surpreendeu:

– Estou perplexo com a sua voz e a sua dança. Todos, aliás !

Já embriagado Zé Panta respondeu-lhe, esquecido de que estava numa cidade que gozava da desagradável alcunha de Cornelândia, por parte da má vontade popular:

– Ou o espanto é porque não tenho chifres?

O momento seguinte foi de quebra-quebra. A cidade gozava da fama de que as mulheres traíam exageradamente aos seus maridos. O final da festa revelou instrumentos musicais quebrados e os tocadores do conjunto dispersos, em correrias noite a dentro. Tempos depois, indagado, Zé Panta respondia:

– Eu devia estar de porre quando falei aquilo. Perdi o meu conjunto. Não posso pedir indenização. E pior: não posso passar por lá tão cedo!.

O ano 48 começou com o maldoso boato:" Em 5O preto vai virar macaco!". Todos brincavam com o assunto. Mas não com Zé Panta, sempre capaz de alguma resposta desconcertante. Mas alguém precisava arriscar. E um dia um tipo louro, também seresteiro, de voz fina e que não suportava o sucesso de Zé Panta, foi estimulado a perguntar-lhe sobre o assunto. Zé Panta acabava de chegar na pracinha central, de D.Pedro II, quando o alourado, empertigado, a ele se dirigiu:

– Então Zé Panta, preto vira ou não vira macaco quando 5O chegar ?.

Zé Panta não se abalou ante a curiosidade de todos:

– Claro que vai virar !

O alourado riu, vitorioso. Todos riram. Fez-se silêncio e Zé Panta concluiu:

– Mas há uma coisa que não lhe disseram.

O espanto redobrou. O alourado insistiu:

– Pode falar !

E todos ouviram:

– Pois bem: no dia que preto virar macaco branco vai virar viado !..


Gazeta de Alagoas, 11. 1. 93


LUIZ NOGUEIRA, Médico Pediatra, Titular da Academia Alagoana de Letras e
Escritor com vários livros lançados.
Natural de Pão de Açucar, porém desfrutou sua infância e adolescencia em
Santana do Ipanema, onde conta casos da sua juventude.

Crônica publicada em 23/10/2006

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