Adair era uma pessoa simples, setuagenária, natural de Pão de Açúcar, terra de grandes artistas da música. Costumeiramente era visto embriagado, trajando vestimentas rotas, sandálias japonesas surradas e, invariavelmente, pitando um inseparável cigarro. Não poderia ser considerado um farrapo humano, mas levava
uma vida miserável, sob a ótica do autor.
Paradoxalmente, tratava-se de um excelente violonista que, afirmo sem medo de errar, se houvesse sido reconhecida sua habilidade, não ficava nada a dever ao famoso Dilermando Reis. Além da excelência na forma de lidar com o violão, ainda fazia verdadeiras acrobacias com o instrumento. De instinto nômade, não
sabia valorizar sua capacidade artística e vivia perambulando pelas cidades circunvizinhas exibindo sua arte, a troco de um copo de cachaça ou uma carteira de cigarros. Era lamentável se observar a situação de abandono a que era submetido pelos boêmios, ao final das farras de que participava, onde era a principal atração. Somente alcançou certa valorização quando o inesquecível Zé Malta arrendou o bar da AABB e deu um "banho de loja" no focalizado, acomodou-o em um ambiente confortável nas dependências do clube, com direito às refeições e um modesto cachê. Em contrapartida, ele tinha o compromisso de exibir suas qualidades artísticas, de uma forma digna, quando solicitado. Determinada ocasião o Adair tomou uma atitude inusitada que não condisse com seu comportamento humilde e subserviente. Participava de uma farra em sua cidade natal quando, de repente, aproximou-se dele uma jovem bonita com quem manteve um breve diálogo. Um imbecil presente à brincadeira, quando soube que a garota era filha do artista, dirigiu-lhe um gracejo de gosto duvidoso. Adair, num rápido lampejo, incomum para sua idade, largou o violão e desferiu um soco nas "fuças" do "engraçadinho" e só não foi às vias de fato porque foi contido pelos demais presentes.
Ali ele demonstrou – conforme gostava de afirmar meu saudoso pai, Zeca Ricardo – que os valores humanos são inegociáveis. A dignidade é um deles. No presente momento seria de bom alvitre que/nossos governantes se lembrassem desta citação.
CAPIÁ-Recife-set/2006
Crônica publicada em 24/09/2006
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