Todas ás tardes, esses dotados alunos freqüentam a casa da professora de música. Riacho Camoxinga, sua ponte separa um bairro do outro. A belíssima residência de dona Maroquita Bulhões, irmã do Padre Bulhões, fica no alto da ponte do Riacho Camoxinga e do Rio Ipanema, que se abraçam, talvez conformados por viverem a maior parte de suas vidas esperando receber o líquido precioso em seus leitos quase sempre vazios.
A casa da professora destaca-se por sua beleza e por sua arquitetura antiga. Grandes salas, quartos, alpendres, varandas, jardins, capela, cozinha vastíssima. A mais bela sala é a do piano, piso todo coberto de tapete vermelho, belíssimos quadros nas paredes...E não é a sala em que os alunos soltam as vozes, eufóricos durante os ensaios. As aulas acontecem ao som do harmônio em outro ambiente; os coristas, cada um em sua especialidade. Na primeira, segunda, terceira e até quarta voz, são manifestadas as vozes desses jovens que são o orgulho da professora. Recebem noção de música, de canto, sobretudo de senso de responsabilidade. O coral só se apresenta em dias festivos; geralmente, é convidado á se apresentar.
Aquele casarão é um mistério para todos. Quem não quer conhecê-lo? Os alunos timidamente só ficam na parte destinada aos ensaios, até que um dia, a professora pede ao sobrinho Demóstenes ou Crisóstenes? Que mostre as partes mais bonitas da casa para seus alunos. Dona Maroquita tem fama de austera, mas é a meiguice em pessoa, quando recebe os alunos em sua casa. No fim da tarde, após os ensaios, são servidos gostosos malcasados preparados por Bernadete, sobrinha da professora. Os alunos também saboreiam as sobras das hóstias que ela prepara.
Por baixo da ponte, os alunos chegam ao casarão. É muito mais interessante atravessar o riacho que, como o rio, vive a maior parte do seu tempo sem uma forte correnteza. A água que passeia levemente molha os pés dos alunos, dando-lhes sensação de liberdade. E que liberdade! Jovens, felizes, cantores...”Quem canta seus males espanta”. Futuros cidadãos conscientes e responsáveis. Aprendem desde cedo a unir o útil ao agradável. Cantam e cumprem horários, compromissos. Sabem também romper tabus, desprezam a ponte, molham os pés nas águas frias do riacho.
Esses jovens são selecionados por Dona Maroquita que diz a todos: para fazer parte desse grupo, terão de ser responsáveis, pontuais e assíduos; principalmente. Outros jovens até que tentam participar desse grupo, mas pouco a pouco afastam-se e os que continuam, conquistam a confiança da maestrina: João Neto irmão de Linda, (Januária), aquele que gostava de fazer serenatas nas noites da velha Santana, Madge, Renilde (atual prefeita), Lurdinha Azevedo (esposa de José Costa) e Lúcia Nobre. Estes são os freqüentadores assíduos, porque nas férias sempre aparecem aqueles que estudam fora e participam do nosso coral.
Como sabemos, quando nosso rio Panema enchia era pra valer. Certo dia, ao saírem do ensaio na casa de Dona Maroquita, o rio estava super cheio, sua correnteza tão forte que só se atravessava de canoa e por uma grande necessidade. Renilde com muita vontade de passear de barco, mesmo vendo o perigo, convida os colegas para atravessar o rio, alegando que precisa buscar o café torrado que sua mãe encomendara lá no Cachimbo eterno. Não encontra muita aceitação para aquela aventura, mas por insistência, as colegas lucinha e Lurdinha Maciel aceitam atravessar o rio naquela pequena canoa. O pior é que na volta, o rio está mais violento. Ao regressarem, quem está a espera é Seu Domício ( pai de Renilde). Alguém logo lhe contou o ocorrido. Ele as convida a entrar no jipe e as leva para suas casas.
Extraída do livro "A Filha do Lodo"
Crônica publicada em 24/09/2006
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