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Literatura

Por João Neto Félix Mendes - www.apensocomgrifo.com

Charola ornamentada, saindo de garagem. Seu Abílio e familiares presentes. Foto: acervo José Peixoto Noya (Zé Neto)

A ancestralidade santanense tem na sua religiosidade o seu maior legado. As celebrações anuais dos festejos à padroeira pouco se alteraram, exceto as mudanças promovidas pelo Concílio Vaticano II, nos anos 1960, quando foi abolido o latim da liturgia e substituído pelo idioma local. Permanecem ainda alguns cânticos em latim que foram popularizados para momentos especiais.

Não podemos esquecer que o culto à Senhora Sant’Ana se iniciou em 1787, com a chegada do missionário Padre Francisco Correia(1757-1848) e o casal devoto Martinho Rodrigues e Ana Tereza. Com o apoio do marido, coube a dona Ana Tereza cuidar das festividades ao longo das décadas. O padre Francisco só voltou para fixar residência nas terras da Ribeira vinte e cinco anos depois.

Após seu retorno, conseguiu criar a freguesia de Santa Ana da Ribeira do Panema em 1836, sendo nomeado como primeiro vigário, cuja permanência perdurou até 1842, quando deixou sua função eclesial aos 85 anos para se recolher no Sítio Fazendinha, em Bezerros (PE), onde faleceu em 1848.

Desde a criação até os dias atuais 28 sacerdotes passaram pela paróquia. Atualmente exerce o pastoreio o padre Jacyel Soares. Ao longo do tempo dois párocos tiveram atuações longevas:(21º pároco)José Bulhões(1886-1952), exerceu por 35 anos, de 1917 a 1952 e (23º pároco)Cônego Luiz Cirilo Silva(1915-1982), exerceu por 31 anos, de 1951 a 1982.

Assim como o casal Martinho e Ana Tereza, outros casais tiveram atuações marcantes na comunidade. A grande maioria ficou no anonimato. Alguns, porém ganharam destaque e marcaram época. O casal Abílio Pereira de Melo e dona Glacira Queiroz foi um deles. Moravam na primeira esquina da avenida Martins Vieira.

Abílio Pereira foi um dos comerciantes do ramo de armarinho mais bem sucedidos da história santanense. Segundo o professor e historiador Clerisvaldo Chagas a “Casa Atrativa” estava localizada no antigo “sobrado do meio da rua”, demolido pelo prefeito Ulisses Silva, em sua 2ª gestão, no período de 1961 a 1965. Ficava na esquina do prédio, mais próxima da subida pela Rua Coronel Lucena. Além disso, era fazendeiro nas imediações da Imburana do Baixo em direção à Timbaúba, no entorno da serra da Camonga.

Com a demolição do prédio do meio da rua e do sobrado, seu Abílio mudou-se para as imediações do largo Senador Enéas Araújo(1856-1914), ocasião em que construiu o primeiro prédio de dois andares. Ali no largo, passou a negociar com ferragens, auxiliado por seu filho Neilton.

Foi vereador e presidente da Câmara em 1951, razão pela qual assumiu interinamente a prefeitura em razão do afastamento do prefeito José Lucena de Albuquerque Maranhão(1883-1955), para se candidatar a deputado estadual. Passou poucos meses no cargo.

Na década de 1970, o Padre Cirilo exercia também o cargo de professor lotado no Colégio Estadual e tinha consciência do quanto era desafiador cuidar de uma paróquia tão extensa, com poucos recursos humanos e financeiros, mas nunca faltou o apoio da sociedade.

Naqueles anos, o casal Abílio e Glacira, em sinal de fé as inúmeras graças recebidas, se prontificaram para arcar com os custos anuais da ornamentação da charola de Senhora Sant’Ana para as procissões de encerramento das festividades. As filhas cuidavam da estética dos arranjos florais do andor que saia da garagem de propriedade do casal localizada na rua Nossa Senhora de Fátima, pronta para percorrer as principais ruas da cidade.

Não sabemos precisar quantos anos durou o compromisso assumido que somente foi interrompido quando dona Glacira, acometida por enfermidade, ficou impossibilitada de caminhar. O padre Cirilo, em reconhecimento à devoção da família e em retribuição, alterou a rota da procissão para que passasse defronte à residência do casal.

O trabalho leigo sempre foi e sempre será fundamental no fortalecimento da ação evangelizadora nas comunidades. Sal da terra e luz do mundo: eis o papel dos leigos na igreja e na sociedade.

Em 2016, a paróquia celebrou os 180 anos de sua criação com extensa programação com as presenças de vários párocos, bispos Dom Valério Breda, Dom Dulcênio de Matos e o arcebispo de Maceió, Dom Antônio Muniz Fernandes.

Fonte:
https://www.apensocomgrifo.com/2024/01/gracas-mil-sobre-os-sertoes.html

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