A QUESTÃO-TODOROV: A LITERATURA EM PERIGO

Artigo

Por Marcello Ricardo Almeida (*)

A obra do professor búlgaro, Tzvetan Todorov (1939-2017), conhecido linguista, crítico literário e filósofo radicado em Paris, França, intitulado “A literatura em perigo” (tradução e apresentação de Caio Moreira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009), é um ensaio autobiográfico, onde ele conta as suas experiências sobre a literatura no mundo escolar. E o objeto destas opiniões é refletir, de maneira qualitativa, a atividade na educação formal sistematizada em Língua Portuguesa e Literatura e a Questão-Todorov ou A literatura em perigo. Diante de problemas nas aulas de literatura e o desinteresse do aluno pelo conteúdo Literatura com ênfase em questões, como: Para que ensinar literatura na escola, como ensinar e de quais maneiras avaliar.
“Poética”, escrita por Aristóteles, é o livro usado em suas aulas destinado ao ensino. Por milênios a poesia transforma o mundo; sem poesia, o mundo se apequena. Na reflexão de Todorov (2009, p. 46), “segundo Aristóteles, a poesia é uma imitação da natureza e, segundo Horácio, sua função é agradar e instruir.”
Cada período histórico tem uma lente própria para enxergar a poesia. No continente europeu, nos primeiros séculos da vida cristã, segundo Todorov (2009, p. 46), “a poesia serve principalmente à transmissão e à glorificação de uma doutrina.” E no Renascimento, para Todorov (2009, p. 46) “pede-se à poesia que seja bela, mas a própria beleza se define pela verdade e sua contribuição ao bem.” Em síntese, desde os primeiros conceitos, poesia no mundo, antes da gênese, louva o amor que nunca termina, é a lanterna a iluminar o caminho.
Professores universitários compartimentalizam o objeto estudado; estudar a literatura sob as medidas de teorias da literatura coincide que cada período é respondido segundo a sua época. Durante o século XX, as opiniões acadêmicas dinâmicas usam Formalismo russo, Estruturalismo tcheco, Pós-Estruturalismo e o Desconstrutivismo francês, a Estética da Recepção alemã, além da Crítica de Gênero e os Estudos Pós-Colonial.
Há de se perguntar de que matéria se faz a escola. E, segundo Todorov (2009, p. 16) “somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam.”
O autor de “A literatura em perigo” navega sete mares da poética, desde Aristóteles aos dias atuais nas salas de aula. Literatura possui relação íntima com o mundo por ser do mundo, através dela experimenta-se sem frustrações; e, nas experiências de Todorov (2009, p. 16), há “um frêmito de prazer: eu podia satisfazer minha curiosidade, viver aventuras, experimentar temores e alegria, sem me submeter às frustrações.”
Na escola, questionar é preciso; a escola, contrariando linguistas, filólogos e etimólogos, é sinônimo de perguntar, porque quem não pergunta nem sempre aprende. Quando o aluno, que obtém o poder de ler, perde o poder de seguir lendo?
O objeto, nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura, visa priorizar a leitura; objetivamente, na disciplina LPL, gestar interesse em ler no espaço intra e extraescolar. Só há escola havendo leitura, sem leitura não há escola.
Algo na escola cria barreiras que descarregam a bateria do interesse por literatura. Quais as dificuldades em se aproximar da literatura na escola movido por afeto? Lembra Todorov (2009, p. 23) que “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos.” A literatura é o fio que orienta quem lê.
É o fio de Ariadne quem salva o herói no labirinto de Creta. O que garante o interesse da leitura do texto literário no período escolar? Sem perder o fio da meada, o objeto ancora-se na Questão-Todorov ou "A literatura em perigo".
Todorov não apenas alerta ao perigo da literatura, aponta o Formalismo e a vertente, o Estruturalismo, além do niilismo cujo berço é a Rússia e solipsismo dos livros de autoajuda.
Há diferença explícita entre apresentar a forma fixa na poesia (soneto, por exemplo) ao aluno e ensiná-lo a dissecar conteúdo rima por rima, tantas sílabas, verso a verso, métrica. Verossimilhança, subjetividade, intertextualidade, caráter atemporal, conotação, ficcionalidade, literariedade, nas aulas de LPL, ajudam a dificultar o interesse na leitura de literatura. Isto atrapalha o interesse do aluno por literatura em qualquer país onde o texto literário é substituído pelas vozes dos críticos em literatura e não pelos autores de textos literários verbais e não-verbais.
Representações ortográficas aprendem-se lendo, como aprende-se lendo meios de robustecer e ampliar seu léxico. Fabulação é o caminho fundante do efeito humanizatório; nela, a estética está inserida e permitindo-lhe andar por caminhos que se humanizam os seres humanos. 
Durante a leitura de literatura, livre das amarras de métodos ao se estudar o conteúdo, ressurgem inferências com profundidade e fundamentação. Além da consciência linguística que se adequa ao ler, e ler com frequência como quem respira oxigenando o corpo. Sem a interferência do mundo imaginário não há aprendizagem real à vida humana. Busca dos clássicos pode ser busca natural após criar hábito de leitura de textos literários?
Época de selfies não representa destruição da aura, só a ressignifica. No processo de aprendizagem, bombardeio de sílaba tônica, átona, ou redondilhas maior e menor, ou ainda proparoxítonas, oxítonas, paroxítonas, vogal assilábica, estrofes, o que o poeta diz ao escrever um dístico, quarteto, terceto ou quintilha, isto mais afasta e menos aproxima o hábito de leitura de textos literários. Na “Poética” de Aristóteles (2013, p. 25) os “humanos sentem prazer em olhar para as imagens que reproduzem objetos.” Retoma-se ao ensinamento freiriano (1999, p. 36) de que "ensinar exige estética e ética." A escola não tem o direito de negar a si própria a utopia, tampouco de negar a utopia aos outros.
A escola utópica é a escola que ainda não é uma escola ética, edificada eticamente em teoria e prática, todavia é a escola que pode vir a ser uma escola ética. Depende tão somente de seus professores, dos conteúdos partilhados aos alunos e, por extensão, à comunidade escolar. Diferentes textos de literatura iluminam o interesse do aluno às novas demandas sociais. O aluno que convive, entre os muros da escola e além dos muros, com o texto literário, é aquele que vai mais longe. Permite-lhe a fabulação andar por caminhos humanizatórios; fabulação leva o aluno mais longe, também leva os professores.
Na revolução técnico-científica há espaço à poesia. A poesia ainda é um dos veículos originais à criação, é matéria-prima e combustível. Surge da poesia aura necessária para que a escola siga vivendo. Pode-se dizer que o artista da palavra é a sua arte desenhada na tela. O quadro raspado cede a outro quadro e, se reutiliza o papiro, também se reutiliza a aquarela; a exemplo da saudade representando a partida, a leitura de literatura é o que reinventa a vida.

(*) Autor do livro Uma teoria do paradoxo: teoria literária e crítica ao estudo da literatura e da arte como proposição analítica e autoanalítica aos novos leitores, escritores, poetas e dramaturgos.

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