12 de junho de 1969, dia consagrado aos namorados de todo Brasil e véspera de Santo Antônio o santo casamenteiro. O santanense já vivia a euforia do São João. A promessa de fartura e a felicidade se faziam presentes no sorriso do sertanejo, o milho e o feijão verde já começavam pintar nas feiras livres de Santana do Ipanema. O ritmo musical dominante e apreciado era o forró
pé de serra, a zona rural e urbana antecipava os festejos juninos aproveitando a benevolência da natureza para cumprirem as promessas de fidelidade mútua, o casamento.
Nos quadrantes da cidade a sanfona, a zabumba, o pandeiro e o triângulo orquestravam o ambiente, era o momento do forró. Estávamos nós no Bar Bafo da Onça de Zé Chagas: eu (Remi), Sílvio de Jandira, Teresão, Reginaldo, Motorzinho e Mindinho, o cara, tomando umas pingas, ou melhor, cachaça com tira gosto de tripa de porco e bofe manufaturado por Maria Baixinha a cozinheira do bar. Entre uma dose e outra da branquinha fazíamos o rebate com uma gelada. As horas iam passando deixando em cada um de nós a estampa da felicidade, quando de repente alguém se adianta e diz, está havendo um forró na Rua do Barulho, é uma festa de casamento vamos dar uma chegadinha lá? Todos concordaram em vozes uníssonas – Vaaamos.
Já passava das 17 horas, havia gente com farofa de tripa até pelas orelhas. Sílvio com aquele seu jeito típico de biriteiro patrocinador, tomou a frente e disse, a cachaça lá é comigo. Seguimos em grupo, vez por outra um topava no outro, mas ninguém percebia. Chegamos na Rua do Barulho, uma casa humilde, velhas com barracas improvisadas alimentadas por candeeiros vendiam guaraná de anilina, cachaça com raiz de pau e rapadura. Mindinho foi logo reconhecido pelo dono da casa graças ao trabalho que desenvolvia no cartório junto ao seu pai, Seu Mane Barros. A partir daí éramos os convivas e fomos tratados com todo respeito pelo anfitrião. No interior da casa sobre uma mesa havia todo tipo de cachaça: Galo Negro, Roquete, Pau de Arara, Casa Branca, Mucuri, Serra Grande e ela, a famosa Pitu.
Por volta das 19 horas chegou o Padre Cirilo acompanhado por Jaime e quatro cantoras do apostolado, Renilce, Terezinha Carvalho, Dona Moroquita e Ana Agra que vieram animar o canto da bênção aos noivos. Após o ato religioso, com a saída do padre e das devotas, dá-se reinício a festa. Nesse momento o sanfoneiro rasgou no fole um dos repertórios do Trio Nordestino puxado por um cantor coveiro no Santa Sofia e que dizia assim: “Tem tanta fuguêra, tem tanto balão...” Não demorou muito, cadaquá pegou o seu cadaquá e invadimos o salão da casa.
Nessas alturas dos acontecimentos Reginaldo e Motorzinho se auto constituíram Garçons sem os dez por cento. Tinham todo direito de se deslocarem pelo interior da cozinha pegar uma ou mais lapadas de cana acompanhadas com tira gosto de galinha. Era a tal história, tome uma e deixe oito para mim. Sílvio se atracou com uma cabocla e cada vez que improvisava uma rodada no salão levantava aquele cheiro de fulô, era pescoço com pescoço. Terezão se apaixonou por uma gaguinha que só entendia o que ela dizia depois de cinco minutos, e tome dança e tome mé a noite toda. Eu e Mindinho ficamos por ali só administrando, de vez enquando dávamos uns giros no salão para em seguida fazermos o pit stop por trás de uma baraúna velha que ainda sobrevivia no terreiro da casa.
Era uma vida de burguês, cachaça, mulher e forró. Passaram-se as horas, o sol já ameaçava despontar enquanto os galos nos quintais da vizinhança saudavam a distância o amanhecer. Lá adiante o Silvio adormecia encostado a uma cangalha tendo em uma das mãos uma remanescente garrafa de Galo Negro. Ao seu lado Motorzinho, Reginaldo e Terezão disputavam a última dose de Mucuri na porrinha, enquanto eu e Mindinho saboreávamos um tira gosto de teiú com um queimado de Pitu com vinho Zé da Onça, na cozinha, preparados por Teinha e Das Neves nossas parceiras. Nos despedimos do anfitrião agradecendo pela acolhida e desejando aos noivos toda felicidade. Sílvio e Reginaldo foram levados para casa em uma carroça. Tempos bons que não voltam mais.
Aracaju, 18/05/2009
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