MAESTRO MIGUEL BULHÕES

Crônicas

Luiz Antonio de Farias (Capiá)

Até parece que, de repente, foram banidos os valores morais do mundo, principalmente de nosso país. As instituições que outrora serviam de espelho, pela forma de disseminar a prática dos bons costumes, hoje não passam de um antro de corrupção irremediável, onde a podridão prolifera. Estamos vivendo uma época em que a maioria dos veículos de comunicação prima pela mediocridade e aumenta seus índices de audiência com notícias sensacionalistas, que deixam estupefatos os mais sensatos mortais.

A família, como célula máter da sociedade, está sendo constantemente ameaçada. Sem querer ser saudosista, confesso que sinto falta da orientação que era dada aos filhos, pelos pais de outrora, onde o respeito ao próximo funcionava como uma condição fundamental.

Quando criança, conheci um juiz de direito em minha terra, chamado Dr. Augusto, o qual, pela reverência que lhe era facultada, deixava transparecer na minha concepção infantil, tratar-se de um ser supremo, provido de uma dignidade irrepreensível, de conduta ilibada e de um procedimento acima de qualquer suspeita. E, realmente, ele armazenava todas essas qualidades.

Por muito tempo mantive essa imagem positiva a respeito da figura de um juiz de direito. Entretanto, com o passar do tempo as coisas foram mudando, levando-me a uma decepção total, quando o Brasil todo tomou conhecimento dos contrabandos de pedras preciosas capitaneados por certo ministro da justiça. Assim não dá pra ser feliz.
Santana do Ipanema, graças a Deus e a nossa Excelsa Padroeira, sempre foi pródiga em ser berço de comprovados homens de bem. Às vezes até aparecem alguns “cabinhas de peia”, mas pela quantidade não faz nenhuma diferença.

Entre as pessoas da maior estirpe, tenho orgulho de ter conhecido o maestro Miguel Bulhões, um cidadão que apesar da diferença de idade – ele era contemporâneo do meu inesquecível pai, Zeca Ricardo – sempre procurei cultivar um convívio mais próximo com ele pela admiração que ele me propiciava, não só por conta da sua importante contribuição à nossa terra, como também pelo espírito de retidão que ele deixava transparecer. Mesmo depois que passei a residir em Recife, todas as vezes que visitava a “terrinha” não deixava de levar para ele exemplares do Diário de Pernambuco e do Jornal do Comércio. Aproveitava o momento da entrega dos jornais para conversarmos sobre os mais variados assuntos. Conheci-o ainda na época em que trabalhei na loja de seu Marinheiro, de quem seu Miguel era amigo e compadre. Ele sempre costumava me cumprimentar, prática incomum na época, pois os mais velhos não “davam muita bola” para os jovens.

Todas as tardes meu patrão Marinheiro, Miguel Bulhões, Fernando Nepomuceno, Ulisses Silva, meu padrinho Doroteu Chagas e, algumas vezes, Ademar Medeiros se dirigiam ao Bar de Maneca para saborear o cafezinho vespertino. Ao retornarem, eles se reuniam nos fundos da loja para “bater papo”, sobre os mais diversos assuntos, principalmente sobre política. Entretanto quando o tema abordado carecia de certa confidencialidade o “bicho pegava”, porque falar baixo nunca foi o “forte” de seu Miguel. No auge da conversa quase inaudível, vez por outra nosso protagonista disparava a todo pulmão:
_ tá bom, compadre Marinheiro, e foi assim?
Seu Marinheiro olhava de soslaio e retrucava em voz baixa:
_ foi, compadre Miguel.
Às vezes essa forma de interceptação de seu Miguel se repetia por diversas vezes, até chegar o ponto em que seu Marinheiro perdia a paciência e arrematava de forma definitiva:
_ Êta, compadre Miguel, a gente está conversando um assunto sigiloso e você vem com essa zoada da peste!

Recife-mai/2009

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