O SERTÃO NORDESTINO E O CACTO

José de Melo Carvalho

Não foi à toa que vim falar do mandacaru, planta cactácea da família botânica de arbustos, árvores, lianas e subarbustos. Representa, a meu ver, o símbolo de sobrevivência do nordestino. Tem as suas folhas reduzidas a espinhos, que em determinada época do ano, dão flores de cores vivas e muito bonitas, que desabrocham à noite e murcham ao nascer do sol. A polpa branca é comestível e fitoterápica. As pequenas sementes servem de alimento a aves diversas.

Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, e Zé Dantas, compositor, celebraram o papel do mandacaru na vida do nordestino em O Xote das Meninas: “Mandacaru quando fulora na seca é sinal que a chuva chega no sertão...”

Resistente às intempéries, o mandacaru salvou a vida de pobres famílias, vítimas de terríveis e históricas secas nos sertões nordestinos. Alimenta famílias e o gado do pequeno rebanho, até o secar das reservas hídricas das grotas, riachos, cacimbas, tanques de pedra, poços de lajedos e pequenos açudes. Mandacaru é planta comum em quase todo o Nordeste, como o alastrado (xiquexique), o quipá, a palma grande, espinhenta, e várias outras espécies de vegetação.

O genial Graciliano Ramos, citado por mestre Aurélio, tratou dessa vegetação nordestina em Vidas Secas: “A cachorra Baleia saiu correndo entre alastrados e quipás farejando a novilha raposa.”
Conforme pesquisa, registramos as secas ocorridas no século 20, por um período de cinco anos consecutivos: de 1901 a 1905; de 1929 a 1933 e de 1979 a 1983. Secas com mais de um ano: biênios de 1955 e 1956, 1997 e 1998, e as de quatro anos, de 1991 a 1993. No semiárido nordestino, a seca de 2012 a 2017 foi a mais longa em toda história do Brasil.

Santana do Ipanema, região do semiárido, meio sertão alagoano, também teve seus tempos de secas. Quando a seca braba chegava por lá levava, impiedosamente, sofrimento às humildes famílias interioranas. Quando lhes faltava alimentos, e a fome batia a sua porta, o jeito era socorrerem-se de folhas, do umbuzeiro, da caça de pequenos animais, tais como preás, calangos, lagartos e teiús, e aves como rolinhas caldo-de-feijão, fogo-apagou e cardinheiras. Sem trégua, essas pobres famílias vendiam seus pertences e conseguiam chegar, só Deus sabe como, até as margens do rio São Francisco. Em embarcações, partiam em direção a Juazeiro na Bahia até chegar a Pirapora, com destino a São Paulo.

Essa heróica e hipotética viagem faz-me lembrar o compositor Renato Teixeira, com sua canção Romaria, sucesso imortalizado na voz da saudosa Elis Regina: “Sou caipira, pira, pora/ Nossa Senhora Aparecida/ Ilumina a minha escura/ E funda o trem da minha vida...”

Acho que outros sertanejos nordestinos, com medo de enfrentar as dificuldades de uma longa viagem ou ameaças, levados pela influência dos proprietários de sítios e donos de léguas e mais léguas de fazendas, prósperos criadores, ali ficavam praticamente como escravos, a troco de pouca comida, sem salário, sofrendo maus tratos, sem falar dos filhos analfabetos, miseráveis, amarelos e de bucho inchado de tanto comer barro...

O Banco do Brasil, na década de 1970, começou a desenvolver política de subsistência, tentando fixar o homem no campo, financiando-os com juros baixos e prazos alongados, abrindo espaço e oportunidade a pequenos produtores rurais, combatendo dessa forma a fome e a miséria, motivadas pelas intempéries da natureza, sobretudo as terríveis secas nordestinas.

Não mais tenho notícias, nesse sentido, de assistência prestada pelo Banco do Brasil, banco oficial, então propulsor do desenvolvimento rural do Brasil afora, pois estou aposentado há mais de vinte e um anos. Como funcionário e orgulhosamente, dele recolhi o aprendizado do trabalho honrado. Hoje, aproveitando e apreciando a boa vida, tenho a recordar os bons tempos vividos no BB e os quarenta e cinco anos de trabalho na iniciativa privada, de muita luta e esperança, começado aos dez anos de idade.

Afinal, ainda tenho pena daquele povo valente e sofrido, nosso irmão nordestino, sertanejo, como disse Euclides da Cunha em seu livro Os Sertões, retratando o conflito ocorrido em Canudos em 1897, liderado por Antônio Conselheiro: “O sertanejo é antes de tudo um forte.” Somente um homem nessa condição é capaz de sobreviver às adversidades do sertão.

Maceió, maio 2022

Comentários