Notas sobre a pandemia do coronavírus

Adriano Nunes

I - Os irresponsáveis e o poder


Quando uma multidão acrítica vai para as ruas, em tempos epidêmicos, defender ideologias político-partidárias, sem se importar com os riscos que pode fazer a si mesma e aos demais, devemos atentar para não só a escancarada política fanática que a envolve e os seus anseios antidemocráticos e autoritários, mas principalmente o seu fanatismo anti-humano. E isso é muito perigoso!

Quando a vida das pessoas (inclusive as suas próprias, as dos fanáticos!) passam a não importar, as dos outros é que não importam mesmo. Por isso, violências várias e assassinatos são comuns neste tipo de política que crê em salvadores da pátria, messias. Essas pessoas, formando um séquito emotivo e obedientemente apaixonado, incapazes de refletir sobre os excessos e loucuras que cometem, consideram os seus atos como um rito em louvor de um líder carismático, populista, passando a encarar as batalhas políticas como verdadeiras cruzadas religiosas, numa luta do bem contra o mal, isto é, compreendem as lutas políticas em termos apocalípticos.

Irresponsáveis por não terem noção crítica sobre a dignidade humana, projetam-se como guerreiros de uma causa absurda. São apenas seres fanáticos. E os fanáticos são sempre perigosos. Pouco importa para eles se um vírus se propaga rapidamente e vem com uma taxa de mortalidade crescente. Pouco importa para eles que há pessoas vulneráveis. Pouco importa que pessoas possam coexistir pacificamente com as diferenças umas das outras. A sua ideologia nefasta é que importa e só.

E essa trupe de fanáticos está democraticamente nas ruas e no poder, clamando contra a democracia. Foi posta lá com a ajuda de cidadãos e cidadãs irresponsáveis, pois preferiram uma solução extremada ao comedimento. E não há desculpas racionais para isso, a não ser a constatação de um embotamento crítico, a perda do senso de realidade, uma vontade de poder, um oportunismo medíocre. Ao dizer isto reafirmo que o fato de escolherem democraticamente um autoritário como líder, que quase sempre teve discursos (no decurso de sua vida pública) merecedores de repúdio, por serem não só discriminatórios e preconceituosos, mas também por atentarem contra as liberdades e a democracia, não lhes dá o direito de que possam agir sem limites éticos, políticos, humanos.

A pandemia é grave e preocupante, principalmente tendo-se já o conhecimento de que o vírus se propaga rápido e de que uma de suas complicações comuns é a insuficiência respiratória aguda grave. É irresponsabilidade, portanto, dizer o contrário. Em um país em que pessoas frequentemente são atendidas até no chão de hospitais, em que mal há médicos e toda equipe de saúde em lugares distantes e precários, onde a cultura da prevenção não é levada a sério, onde há poucos leitos em centros de terapia intensiva, dizer que o coronavírus é "muito mais fantasia" e "não é uma situação alarmante" mostra o despreparo e incompetência do Chefe de Estado para gerir a situação, mas não só: mostra o seu lado mais comum: o anti-humanitário.

Neste sentido, é inadmissível, do ponto de vista crítico e humano, que tais pessoas ainda permaneçam apoiando o horror. Se assim o fazem, são incapazes de fazer reflexões sérias sobre a vida e as liberdades. São apenas indivíduos fanáticos dispostos a tudo ou nada. E o mundo já deu vários exemplos de como termina isso.


II –O compromisso ético com a vida das outras pessoas


A pandemia do coronavírus é preocupante por vários motivos: primeiro, por ser uma epidemia que se alastra por todo o mundo, não respeitando fronteiras, classes sociais, instituições, coisa alguma. Por isso mesmo é uma pandemia. Segundo, porque a velocidade de disseminação é alta. Em pouco tempo, o vírus saiu do epicentro chinês e espalhou-se pelo mundo. O caos na Itália reflete, de algum modo, o que pode acontecer em qualquer lugar que despreze regras de segurança e saúde. Terceiro, é que, ainda que a taxa de mortalidade seja baixa ou compatível com outras doenças símiles, a velocidade com que as pessoas vêm morrendo é alta. Isto pode ser devido a alguns importantes fatores: a agressividade letal do vírus, o sistema imunológico deficiente ou um sistema de saúde ineficiente e precário, incapaz de atender uma alta demanda de doentes.


Outro fator que faz com que a pandemia seja preocupante é a falta de consciência ética de muitas pessoas com as vidas alheias. Devemos não só ter a preocupação conosco quanto à prevenção, mas também e principalmente com a vida dos que podem correr sérios riscos, se forem contagiados. Essas pessoas - geralmente idosos, crianças, imunodeprimidos, pacientes com doenças crônicas, pessoas muito humildes e vulneráveis, etc - não devem ser contagiadas, pelo risco elevado de morrer. Não podemos ser irresponsáveis ao ponto de facilitar a disseminação do vírus! Temos um dever ético-existencial para com todos e todas! Assim, é necessário, neste momento, evitar aglomerações, por ser um fator primordial para impedir a propagação do vírus, bem como fazer uso constante e rotineiro de medidas preventivas, como lavar bem as mãos com água e sabão, usar álcool em gel, e, se necessário e possível, usar máscaras e luvas. A vida de todos os seres humanos importa!


Adriano Nunes

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