Janeiro mês de descanso e de preparação, descanso das festas de final de ano e preparação para a “grande” festa, o carnaval. Esse era o calendário de minha família, a qual tinha uma pequena formação, mas era uma família enraizada em costumes tradicionais, onde o patriarca era uma pessoa que vivia em seu “arem”, onde ele reinava e tinha muito orgulho por isso. Meu pai, Jair Queiroz de Oliveira, minha mãe Marlene e suas duas filhas, eu Sibele e minha irmã Socorro, meu pai adorava ser o único homem da casa. Sendo assim ele sempre decidia esse calendário, e todas nós sabíamos carnaval sem dúvida alguma, o destino seria Santana do Ipanema.
Os preparativos para essa viagem eram intensos, roupas para todos, o carro passava sempre por uma grande revisão, paradas na viagem,era um verdadeiro combóio,era muita gente, tios amigos, ou seja, ainda era na época em que a família passava todos os festejos anuais juntos.
Então finalmente chegava a sexta-feira de carnaval. Acordávamos ainda na madrugada, escuro, frio, muito sono. O “combóio” se formava na Polícia Rodoviária Federal, no tabuleiro e dali partíamos todos. Eram muitos carros, muitos abraços, muitos amigos e muitos planos. Começava então a longa viagem, estrada de barro (na sua maior parte), faróis acessos, poeira, o percurso era longo e diante de tal caravana tornava-se mais longo ainda, devido às famosas paradas, não se podia visualizar nenhuma placa de refrigerante que sabíamos que seria a próxima parada. Era muito divertido, muita alegria, muitos planos de diversão, gargalhadas e piadas contadas longe das mulheres. E daí a viagem seguia, não se usava cinto de segurança, podia beber e dirigir sem o menor problema, conversavam muito alto, se abraçavam e bebiam,Ah! Bebiam muito mesmo.
Eu, pequena, sempre vinha dormindo,usando lençol e travesseiro e com um bichinho de pelúcia abraçada, tentava dormir para controlar a ansiedade da chagada a Santana. Após andarmos muito, sempre ouvia meu pai cantarolando:
- A microonda no alto da serra...
e ele a sorrir, daí lenvatava-me, pois já sabia que ele avistava Santana do Ipanema, e sempre gostei de compartilhar esse momento. O sorriso largo na face de meu pai, era muito bonito, era muito amor por sua terra natal e as pessoas dessa cidade. Entrávamos na cidade, buzinando, vários e vários carros a buzinar, faróis acessos e todos a olhar, mostrando o orgulho de está de volta à terra natal.
Então eu, a “estrela” da família, preparava-me para o desfile da Escola de Samba, de meu Tio Zuza e de meu Tio Joãozinho, UNIDOS DO MONUMENTO.
Daí , quando chegávamos a casa de minha avó Irailde ou de minha avó Socorro, iríamos desfazer as malas, e lembro-me muito bem dos macacões ,tipo posto de gasolina,,estas seriam as grandes roupas que meu pai usaria durante o carnaval.E então ele se juntava ao velho Bloco da Mundiça, eles se reuniam no sábado de Zé Pereira , a visitar casas de amigos.Ah! Eles eram muito “espaçosos”, muito engraçado, bebiam e bebiam muito, desfilavam pelas ruas da cidade em carros abertos , sujos e ébrios, na realidade , hoje acho que aquele bloco deveria ter sido chamado de SEM LIMITES... ele exageravam.E eu a espera do “grande “ desfile.
Sabia que daí para frente, dificilmente encontraria meu pai sóbrio. Por vezes encontrava com ele em algumas casas ,eles cantavam,falavam muito alto, se abraçavam e até choravam.
Finalmente chegara o grande dia: Desfile das Escolas de Samba, em número de duas, Unidos do Monumento e Juventude no Ritmo. Nós da Unidos do Monumento, após as devidas adequações estávamos na rua a desfilar. Tio Zuza, muito preocupado com a organização e Tio Joãozinho a comandar a bateria. E lá estava eu, ao alto do carro alegórico, uma criança feliz, como sempre meu Tio Zuza muito sério, organizado e sempre com o receio de encontrar meu pai e seu bloco pelas ruas. Lembro-me como se fosse hoje, uma tarde em que aconteceu esse grande encontro, lá vinha a Escola passando, onde fica hoje o Colégio Ormindo Barros e de repente aparece um homem a entrar pela Escola , chorando , apontando para mim e gritando:
- É minha filha, ela não é linda?
ele e eu sentíamos um grande orgulho desse encontro.
Por ironia do destino, após concluir a Faculdade de Enfermagem, fui convidada a trabalhar em Santana por um período de um ano, e já estou na cidade há dez anos. Hoje é sexta-feira de carnaval, cidade movimentada, cheia de carros de outras cidades, amigos se reencontrando, músicas carnavalescas tocando, mas já não é a mesma coisa. Hoje não estão, mas nesse plano espiritual nem meu pai, Jair e nem meu Tio Zuza, as Escolas de Samba já não existem mais, carnaval de rua e de clube acabaram , mas as lembranças daqueles carnavais NUNCA irão se acabar... Ah! E aquela música NUNCA irá sair de minha mente: “... A MICROONDA NO ALTO DA SERRA ,NÃO ME CANSO DE ADMIRAR...”
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