NATAL NA MEMÓRIA DE BRENO ACCIOLY

Crônicas

Lúcia Nobre

Por Lúcia Nobre


Não havia Nau Catarineta nem Banda de Música no Natal de Sant’Ana do Ipanema, tampouco aqueles cestos subindo pessoas na Roda Gigante. Havia, no entanto, o Presépio de “Seu Hermídio”, Um artesão que obumbrava o prestígio de Pe. Bulhões, porque era ele o maior homem do Natal. Pe. Bulhões perdia longe para Seu Hermídio, não porque a casa de Seu Hermídio possuísse uma sala que podia ser comparada a uma nave, de tão grande, mas pelo motivo de Seu Hermídio viver de canivete nas mãos, esburacando palmos e palmos de madeira, trabalhando, dando formas de imagens a toros que eram trazidos dos montes nos ombros de jumentos, na cabeça de biscateiros encachaçados e pornográficos. A matutada gostava de Seu Hermídio, outrossim as crianças, que aprendendo a falar logo balbuciavam “Sê Hermidi” _ tão vasto como um rio, tão sozinho como um caramujo, tão impenetrável qual o mistério da morte. Mas como era suja a casa de seu Hermídio!Aranhas bordavam redes pro seu aranhol do sono de lenços de prata que, tão leves, não conseguiriam desfazer o equilíbrio da mais delicada e sensível das balanças. E ainda existiam sapos enormes, alimentando-se de insetos que, por acaso, fossem visitar a cozinha, sapos-cururus, sapos-mijadores, capazes de cegar alguém com aqueles esguichos qual jatos de pútridos lança-perfumes venenosos. Seu Hermídio também não temia as lacraias, silêncios repelentes, abomináveis ferrões vermelhos, longe ou perto das paredes, imóveis à maneira de crocodilos que dormitassem. Somente à véspera da Noite de Natal seu Hermídio espanava as janelas, enxotava os sapos, espantava caranguejeiras de pernas cabeludas, ao mesmo tempo que arrancava da face aquela tristeza que lhe adormecia os olhos, punha de lado aquela sua paciência, tão comum na vida dos bois.E fazia tudo isso para escancarar as portas, deixar à vista de todos o seu Presépio, onde o Menino-Deus dormia numa manjedoura do tamanho de uma banana-pão.




Considerações: “Natal de Seu Hermídio” Breno Accioly nos revela a arte de Seu Hermídio. Arte de uma beleza especial que a todos encanta. O Escritor santanense salienta o desinteresse do artista pela casa, pela arte, narra até com asco sujeira da casa do artesão quando não é época de Natal. No entanto, quando se aproxima o nascimento de Jesus, tudo se transforma. O Autor do presépio com a manjedoura onde dorme o Menino-Deus, transfere-se completamente para o espírito artístico. Seu Hermídio, personagem real de Santana, ficou na memória de Breno Accioly. É motivo de alegria para o Escritor falar da transformação do artesão, quando esse, em tempo de Natal dedicava-se a sua arte. Assim se comprova o valor que possui a arte. Seu Hermídio transforma-se para melhor quando chega Natal, segundo a visão poética do narrador do Conto. Levar alegria às pessoas é uma das funções da arte. Breno Accioly falando da transformação de Seu Ermídio, ainda diz: “Ao mesmo tempo que arrancava da face aquela tristeza que lhe adormecia os olhos, punha de lado aquela sua paciência, tão comum na vida dos bois” p. 139. Os dois artistas deixaram suas mensagem de amor ao seu povo.




“Natal de Seu Hermídio” João Urso. Breno Accioly. 4. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1995. p.137.

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