Antes da disseminação dos bancos, conta-se que, nos primórdios, os ricos fazendeiros do sertão armazenavam suas fortunas em invólucros resistentes e os enterravam com o intuito de se resguardarem dos
ladrões e dos parentes inescrupulosos. Essa operação era denominada de botija.
Se um cidadão desses viesse a falecer e não revelasse o segredo a alguém, comentava-se que sua alma ficaria "vagando" no mundo até que ele escolhesse algum ser vivente para oferecer o rico cabedal deixado. O escolhido, tornava-se uma pessoa potentosa "da noite para o dia", de forma a levantar desconfiança na comunidade "fofoqueira", que ficava comentando a voz miúda:
- aquele só tendo desenterrado uma botija.
Pois bem. Lá prás bandas de Jacaré dos Homens havia uma comunidade em que moravam Chico Basílio e João Possidônio. Dois amigos octogenários, que todas as tardes se encontravam à sombra de uma frondosa árvore, para relembrar histórias do tempo em que eram jovens. Certa ocasião o tema da conversa girou exatamente sobre "alma penada", de algum finado que se foi "antes do combinado" sem, contudo, anunciar para algum sortudo o patrimônio enterrrado. Então um deles afirmou:
- Eu não sou muito de acreditar nessa história de botijas e almas penadas, mas, apesar da idade, se uma assombração dessas viesse me oferecer uma fortuna dessa eu ía "tirar a barriga da miséria". Encerrado o bate-papo daquela tarde os dois se dirigiram para suas casas. Como sempre acontecia nessas localidades, antes da
luz elétrica e da televisão, o pessoal costumava dormir cedo. Após um rápido café o João Possidônio recolheu-se à camarinha. Acontece que esse cidadão tinha um filho que sofria das faculdades mentais e lá prás tantas da madrugada o rapaz foi acometido de uma forte dor de barriga. Dirigiu-se à privada que, como era de costume, localizava-se do lado de fora da casa. Todavia, estava chovendo torrencialmente e o inditoso jovem recuou e foi até o quarto onde estava dormindo o pai e, sorrateiramente, envolvido em um lençol branco, tentou retirar o penico, que estava debaixo da cama, para fazer suas necessidades fisiológicas. O velho acordou e, diante da cena que observou, balbuciou com a voz trêmula de medo:
- alma, diga o que você quer, pelo amor de Deus! E o filho com a voz espremida, compreensível pela situação, respondeu:
- eu quero dar uma cagada.
Recife-jul/2006
História publicada em 27/07/2006
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