O Desconto de um conto contado ponto-a-ponto: ou simplesmente, Miranda o homossexual.

Cicero de Souza Sobrinho (Prof. Juca)

O homem é o único animal que faz o que gosta escondido e o que não gosta em público!
* Erico Veríssimo


Laurêncio Cunha de Miranda era um jovem de seus 40 e poucos anos de idade. Sujeito de pele branca, olhos pequenos como os de uma gueixa, bochechas rosadas e volumosas, lábios projetados pra frente – naturalmente desproporcionais aos contornos do seu rosto, era o filho mais novo de uma prole de 17 irmãos.
Havia nascido na zona rural, na pequena propriedade do senhor Venceslau (seu pai), na região conhecida como ‘Lagos Secos’, nas imediações da pequena e pacata cidade de ‘Chiado’.
Naquela época, as coisas eram mais difíceis na zona rural, pois não havia tanta escolha de diversão e oportunidades de estudo. Mas, mesmo com as dificuldades e agruras do dia-a-dia o nosso pequeno herói era muito feliz, pois seus pais (muito honestos e trabalhadores) o mimavam com o que podiam, haja vista ser o rebento mais novo do casal. Assim, tudo que ele queria (dentro da sua realidade e da região) seus genitores tentavam atender. De tanto ter seus desejos e mimos atendidos, o garoto se tornou muito dengoso, pois bastava principiar um choramingo para seus pais virem ao seu socorro com adulação e bajulação, isso fez com que o garoto se tornasse intragável aos olhos de todos, inclusive de seus irmãos e irmãs.
Sempre arrumava confusão e culpava os outros, e seus pais ingenuamente acreditavam em tudo que o garoto falava. Certa feita, quando tinha apenas sete anos, seu irmão o flagrou vestindo a calcinha de sua irmã, de imediato deu-lhe um safanão e foi denunciar o caso ao seu pai (pois para a época e cultura do local, não era ‘normal’ um menino usar calcinha), mas, o pequeno fez aquela cara costumeira de choro para seu pai, que ao olhar para aquele ‘rostinho choroso de bonequinha de porcelana’ se derreteu. Tanto é que além de não acreditar, ainda repreendeu o denunciante. Isso fez com que o irmão mais velho ficasse irritado com o caso.
E assim, desde cedo o pequeno percebeu que bastava bater os pés no chão, virar a cabecinha de lado e fazer biquinho para conseguir tudo aquilo que queria. O menino foi crescendo e pela falta de opção de estudo na zona rural o jovem foi estudar na cidade. Nessa época, o jovem ‘Miranda’ (é como ele gostava de ser chamado, pois a pronúncia do nome passava a ideia de que o mesmo era de família abastada. Ainda assim...) nessa época contava com seus 16 anos e ainda não havia despertado por completo para os prazeres da vida. Dono de braços curtos e gestos grosseiros, senhor de uma barriga protuberante, se tornara um jovem de moral esquálida e fluida.
Ao chegar à cidade, foi morar com seus avós maternos. Nessa época dividia o quarto com seu o primo, apelidado carinhosamente por Miranda de, o “Celta”. O referido jovem atendia pelo nome de batismo de Teobaldo Cunha.
Era uma convivência pacifica e harmoniosa dos dois primos, sem nenhum estreitamento de intimidades ou conflitos. Mas tudo isso estava pra mudar. Foi em uma tarde quente de verão que o sentimento há muito recluso aflorou.
Miranda estava soando em bicas quando resolve ir banhar-se para se refrescar um pouco. Se dirigiu ao banheiro e foi logo entrando. Antes que pudesse fazer algo deparou-se com seu primo Cunha tomando banho. Não conseguia parar de olhar o corpo branco e nu do seu de seu primo. Nervoso e cheio de incertezas, o jovem tropeça e sai do banheiro, não antes do primo o fitar nos olhos e soltar um sorriso um tanto quanto tórrido. Isso fez com que o jovem ficasse ainda mais envolto em pensamentos. Naquela mesma noite enquanto rolava pelo colchão sem conseguir dormir, percebeu a porta se abrir, então fingiu dormir... era seu primo, que o envolveu em seus braços... e ali naquele momento o jovem Miranda sentiu algo que jamais havia sentido: o amor de outro homem... os amantes amanheceram entrelaçados, mas não poderiam ficar assim, pois seu amor era proibido. E assim ficaram por alguns anos.
Miranda cresceu, mudou da casa dos seus avós e foi morar sozinho. Seu primo assumiu sua sexualidade e foi morar com um jovem que conhecera pela internet. O ensino médio foi um suplício para Miranda, pois tinha que esconder quem era por medo da repressão. No entanto, ridicularizada qualquer homossexual que com ele cruzasse na rua ou na escola. Dizia que aquilo era coisa de gente sem vergonha, sem caráter e imoral. Seu preconceito ficou muito mais acentuado no período da campanha presidencial, pois um desses candidatos era homofóbico assumido. Tanto é que em uma de suas entrevistas o referido candidato disse em rede nacional, “prefiro ter um filho ladrão do que um filho viado. Táokey?!”. Foi um verdadeiro orgasmo mental para Miranda ouvir aquilo de seu ídolo. De imediato colocou um adesivo do candidato no seu carro. Inclusive até participou de uma carreata promovida pela elite do lugar. E não foi de estranhar que o candidato ganhasse a eleição, isso veio a revelar a grande manada de incultos, preconceituosos e acéfalos do lugar. (Mas...)!
Sem amigos e senhor de uma arrogância e preconceito abissais o jovem vivia isolado e muito acabrunhado. Nos seus olhos percebia-se uma tristeza profunda e sem sentido, pois a família do jovem tinha certas posses, por isso ninguém sabia o que lhe faltava para que sentisse tanta tristeza. Na tentativa de esconder quem realmente era ela arrumou uma namoradinha, para que as pessoas não fizessem com ele o que ele fazia com outros.
O tempo passou e depois de constituir família, o senhor Laurêncio Cunha de Miranda tornou-se um homofóbico assumido, chegava a querer partir para a agressão física quando via um homossexual “negro e pobre” (claro que este era o estereótipo, motivo do seu ódio...). Certa feita, estava sentado na calçada da repartição onde trabalhava, estava rodeado de colegas de trabalho contando das suas “aventuras” com mulheres, dizia-se um “animal insaciável e ávido”, quando de repente, passa pela mesma calçada um rapaz (homossexual assumido e negro) que atendia pelo nome de Brigite. Quando passou ao lado dos rapazes, o único que ficou ridicularizando Brigite foi justamente o Miranda. Os insultos foram tão absurdos que os colegas de trabalho se sentiram desconfortáveis. Mas ele insistiu dizendo que aquilo era um viadinho fuleiro, um safado, um sem vergonha.
– Minha gente, como é que pode um cabra safado desse, bom de ter vergonha na cara, querendo ser mulher?? Viado sem vergonha!!! “Merecia levar uma camada de pau”... Condescendes, seus colegas apenas se calaram.
Brigite, que ouvira tudo em silêncio, resignou-se, e em lagrimas seguiu seu caminho. Soube que pouco meses depois cometera suicídio. Triste retrato da realidade de uma sociedade doente e medíocre.
Entendendo que o ‘preconceito é a prova maior da insignificância e obscuridade moral do preconceituoso’ podemos construir o perfil de um ser que, se faz mediante suas escolhas equivocadas no dia-a-dia. É pois, uma construção fácil, tendo em vista que estas pessoas são portadoras daquilo comumente conhecido como Deficiência Cognitiva Programada-DCP. Vide Filósofo Paulo Ghiraldelli.
Mas, voltando ao nosso herói... era uma noite de domingo e Miranda retornava da missa com sua esposa e filho. Miranda era um membro assíduo dos cultos domingueiros da igreja. Não faltava uma missa sequer, ele dizia que “um domingo sem missa era um domingo sem deus”, (isso mesmo, com ‘d’ minúsculo, talvez você entenda, ou não...) quando, ao passar pela praça para tomar um suco verde com tapioca de banana seu coração bateu forte, a respiração tornou-se pesada, as pernas tremeram, o suor tomou-lhe a testa e um misto de desejos e lembranças há muito adormecidos, afloraram como um vulcão em erupção... Miranda não podia conter seus olhos que o traiam a todo momento... “sentiu” aquele “sentimento” “sentido” há muito tempo(rsrsrsr)... era amor!
– Quem é essa criatura! Quem é essa anjo lindo? Quem é essa loira linda, de pernas muito, muito bem torneadas, cintura fininha, seios volumosos e apetitosos. Quem é?!! Pensou ele, sem conseguir disfarçar seu interesse... tanto é que sua esposa perguntou: Mirandinha meu bem, você conhece esta senhora? Ele tomou um susto, recompôs-se e desconversou. Naquela mesma noite, Miranda fez amor com sua esposa como nunca havia feito antes (coisa rara ele fazer amor com ela). A coitada foi a válvula de escape...
Todas as noites Miranda voltava à praça na esperança de rever seu sonho de consumo, mas era tudo em vão. Depois de quinze longas noites e já desmotivado, eis que ele vai chegando e dá de cara com seu “anjo”. Abriu um sorriso largo e sem medo foi falar com a loira. E disse ao se aproximar: - Você é a moça mais linda de toda a cidade!!! A moça de pronto lhe retribuiu o sorriso. Conversaram até tarde sobre música, filmes, moda, politica, televisão, enfim, sobre tudo. Ao se despedirem, ela lhe disse seu nome, era Michele Silva. Ela passou para o galante senhor o seu whats, que também repassou o seu. Marcaram para se encontrar novamente, só que desta vez em um lugar mais reservado. E assim aconteceu, por várias, várias, várias e várias vezes, e ainda acontece. Mas os encontros são muito rápidos(rsrsr) pois Miranda não tem mais aquele vigor físico de outrora(rsrsrsrs).
O hipócrita continua mais homofóbico do que nunca. Outro dia estava bêbado e deu uns bofetes em um jovem homossexual pelo simples fato do rapaz ter esbarrado nele durante uma festa de rua. Só não foi preso porque correu. E assim ele vai levando a vida entre missas, trabalho e orgias com seu grande amor da praça. Sua esposa depressiva e solitária é resignada, contenta-se apenas com sua companhia nos momentos sociais, pois na cama, nada...
Ah! Eu já ia esquecendo, a loira que é o grande amor de Miranda, é uma drag queen muito afamada lá pras bandas da capital.

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* Érico Veríssimo (1905-1975) foi um escritor brasileiro da segunda fase modernista, chamada de fase de consolidação.

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