Há 75 anos a lanterna mágica do cinema era acesa no sertão

Cultura

Por: Romero Azevedo

José Francisco Filho: o pioneiro do cinema em Santana do Ipanema.

A noite de domingo 3 de abril de 1949 foi diferente de todas as outras noites de domingo em Santana do Ipanema.

A notícia já corria solta de boca em boca na cidade: “Zé Filho (José Francisco Filho) vai inaugurar o cinema hoje! ”. O cinema era o Cine Ipanema, primeira casa exibidora de filmes no sertão do estado.

Depois da feira, depois da missa, todo mundo só queria saber que novidade era aquela da qual alguns já tinham ouvido falar, mas nunca tinham visto. A curiosidade só aumentava na medida em que o tempo avançava e o relógio se aproximava das 19h00, sete da noite, horário cravado para o início da sessão pioneira.

O alvoroço na porta do antigo sobrado onde o cinema funcionava no primeiro andar era grande, multidão assim, diziam os mais velhos, só fora vista quando as cabeças dos cangaceiros degolados numa grota da fazenda Angicos em Sergipe, onze anos antes, chegaram em Santana para uma exposição macabra.

Mas agora eram tempos de paz, cangaceiros só existiam na memória e nos livros de história, e a segunda guerra mundial, onde Zé Filho combateu ao lado de outros santanenses heróis da pátria, havia terminado com a derrota do nazi-fascismo de Hitler, Hiroíto e Mussolini.

O cinema era a presença da modernidade em Santana em sua mais sofisticada expressão: a tecnologia das imagens animadas, puro enlevo, permitia que uma história pudesse ser contada como num livro, só que através de imagens e sons que imitavam com perfeição a vida real.

Essa presença inédita do cinema viria contribuir, mesmo que seus espectadores não se dessem conta naquele primeiro momento, para a formação da subjetividade moderna na cidade.

Na entrada do Cine Ipanema naquela noite inesquecível, enormes cartazes anunciavam o filme da estreia: “Justiça Vingadora”, farwest, ou faroeste no aportuguesamento do termo, estrelado por Tim Holt. Um resumo da história desse filme, publicado na Internet, diz: “Tom Weston chegando à cidade no momento em que o Doutor anuncia a morte de seu pai como suicídio, vê que a arma está na mão errada. Quando o examinador do banco anuncia que o banco não tem dinheiro e a identidade de Tom é conhecida, os moradores da cidade tentam enforcá-lo.

Escapando, ele encontra o falso examinador e consegue uma confissão. Então ele planeja uma armadilha para o assassino”. Essa aventura rural foi dirigida por Sam Nelson, diretor que ao longo da carreira, encerrada em 1963, dirigiu 28 filmes e foi assistente de direção em mais de 120 outros filmes, como assistente ele trabalhou ao lado de lendas de Hollywood como Billy Wilder( diretor do qual o Cine Ipanema exibiu o drama de guerra “Cinco covas no Egito”), Orson Welles, Stanley Kubrick, Robert Rossen, Blake Edwards, William Castle, John Ford, DelmerDaves, entre outros.

Mas, voltando àquela noite de abril de 1949, logo uma fila foi se formando diante da bilheteria do Cine Ipanema, obra de umvisionário filho da terra que sonhou um dia trazer para os seus conterrâneos aquela novidade que o maravilhou dez anos antes na cidade portuária de Santos-SP. Todos queriam garantir seu ingresso para ver aquela inovaçãoque a partir daquele dia iria preencher as noites de sábado e domingo em Santana com um espetáculo diferente.

Drama,comédia,romance,terror,guerra,aventura, os diversos gêneros do cinema agora poderiam ser apreciados pelos santanenses, era uma forma nova de conhecer o mundo sem precisar viajar, o único requisito exigido era ficar sentado com olhos e ouvidos bem abertos.A noite de inauguração foi uma verdadeira festa, a plateia numa grande algazarra vibrava com os socos e tiros dos cowboys em cena; os cavalos em disparada pelas pradarias do Oeste americano provocavam gritos, assovios e aplausos.

Foi uma noite memorável, de descoberta e encanto, iluminada pela lanterna mágica do cinema. (A história completa do Cine Ipanema pode ser conhecida aqui: https://memoriacineipanema.blogspot.com

Comentários