Viver era um conflito em si.
– Agora fosse! Entendeu. Não? Me respondesse duma vez. Se a geladeira fazia o que fazia, e não precisava pensava, por que tu carecias pensar? Parasse, cabeça de ovo, com essa cabeça concordando com tudo o que te cercava, feito catenga. Quando entenderias duma vez que a máquina valia mais do que tu? – parou; estava na rua, vendo a reação dos vizinhos. – Os cotovelos desse povo, quando visse minha geladeira, queimavam igual brasa.
O tempo verbal, na casa de porta de duas folhas e janela, nunca mudara.
– Comprou?
– Não.
– Não comprou?! Não acreditava nisso. Você era um diabo. Vinha pedindo há quanto tempo, traste!
– Desde...
– E o dinheiro?
– Aqui.
– Não ficou prata nem ouro no cofre de barro, depois da bagaceira?
– Achava...
– Me afeiçoei àquela porca gorda. Entendeu? – soou a voz metálica que confundia mundo real com virtual, como se o mundo virtual fosse real e o real virtual. – Não me olhasse assim; o serviço em casa nunca terminava: quando não era lavando, era cozinhando, quando não cozinhando, lavando. Queria a geladeira aqui na palma da mão; era direito meu ter uma! – a ideia de geladeira era um enredo banal que se espraiou feito óleo sagrado.
– Oviamentente.
– Cada moeda, aqui em casa, era zup!
– Não se aporrinhasse.
– Fosse comprar logo, infitete!
– Bagaceira.
– Danou-se. Ufa!
– ...
– Emburacasse. Entendeu?
– ...
– Tasenfadado?
– Não.
– Parasse com moganga; tavas cá gota!
– Não.
– Diabeisso! Deixasse de fulegarem. Não chegasse lá com miolo-de-pote.
– Não.
– Desse uma carreira, cabra.
Saí com o bafo dos gritos. Aquelas palavras sempre duras pareciam ter gosto de cinza que corroíam por dentro, lembrando as palavras do padre sobre o inferno. Esses assuntos quando começavam eram custosos terem um final, costumavam envolver num abraço de jiboia arrochando, cada vez mais arrochado até sumir o ar.
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Literatura: ERA UM CONTO DE NATAL POR SER TÃO NECESSÁRIO
LiteraturaPor M. RICARDO-ALMEIDA 24/12/2022 - 20h 32min Reprodução Internet

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