FORTUNA CRÍTICA DE BRENO ACCIOLY¹

Artigo

Marcello Ricardo Almeida²

Escritores comunicavam-se por textos. Isto encontrava-se na estética da literatura de Breno Accioly. A tradição literária de seu gênero narrativo conto era legado de outros contistas que o precederam falando da loucura, a exemplo do norte-americano Edgar Allan Poe e/ou também de Machado de Assis, e este, inclusive, fez releitura daquele.

Machado de Assis criou nova obra literária ressignificando publicações de escritores e dramaturgos. As suas releituras enxergavam sob outra perspectiva por meio de atividades textuais criativas. Mostrava de maneira diferente a criação literária alheia como uma segunda leitura própria.

Criações literárias comunicavam-se sobre algo que transcendia no tempo, como alguém que tinha os meios de comunicar, este meio era a literatura. Qual professor que se comunicava em sala de aula, a escrita comunicava-se por quem possuía o domínio literário usando as suas habilidades criativas (poiéticas). Isto ocorria com a estética literária de Breno Accioly.

Este termo grego (estética) vinha da apreensão pelos sentidos ou também mundo, como viu, ouviu, sentiu e tocou Breno Accioly; a sua estética na literatura veio do legado de contistas que o precederam falando da loucura. Na contística de narrativas do fluminense Machado de Assis, “O Alienista” espelhava o mundo governado de ponta-cabeça. O alienista se especializava em doenças mentais, quais escritores levaram o cientificismo parnasiano à literatura.

Breno Accioly era o contista da loucura na rua dos lampiões apagados. E, por sua literatura, Santana foi apresentada ao mundo. Quão o sujeito precedia o verbo, a loucura na literatura encontrava-se nos contos da mitologia hebraica. Como disposição de última vontade, feito o termo legado nas Ciências Jurídicas, foi deixado ao santanense este valor literário fixado no conto que era o gênero narrativo textual curto.
Personagens acciolyanas pendiam mais ao espaço dionisíaco, menos ao espaço apolíneo. Para Nietzsche, o dionisíaco referia-se a falta de medida. João Urso era personagem que gargalhava ao gosto da divindade mitológica grega de Dioniso; João Urso personificava as explosões de gargalhadas representando a loucura.

Conto de Poe (O Sistema do Dr. Alcatrão e do Prof. Pena. Encontrava-se no filme “Refúgio do medo”) sobre um hospício, não governado pela sanidade, governado por insanos: pacientes usurparam lugares de médicos e agiam como tais. Esta narrativa, recortada por Machado de Assis em “O Alienista”, mostrou que o apavorante perturbava o mundo, sucumbia e voltava a perturbar; isto numa espécie de mundo às avessas, que se inverteu, que ficou de ponta-cabeça.

O dia em que Dr. Simão Bacamarte ganhou vida na pena de Machado de Assis, imaginasse este seu mundo de ponta-cabeça onde Dr. Simão Bacamarte, personagem, diagnosticasse Machado de Assis, o autor, outro inquilino na casa de amontoar “loucos” por mera obsessão, visualizações, prestígio, dinheiro.

O escritor Machado de Assis, conhecido por saber dominar a esgrima, na realidade bacamarte como vítima do alienista? Era fácil, nestes tempos líquidos, despregar-se da realidade e apresentar-se como se vivesse em uma realidade paralela, ou seja, ocupando (como se visse a si no espelho) o papel de personagem que invertesse a própria imagem.

Nada nesta realidade apresentava-se com solidez, tudo se liquefazia. O comportamento social era fácil interpretá-lo nestes tempos líquidos. As relações facilitavam a compreensão, lembrando Bauman, porque se apresentavam com o seu próprio manual da modernidade líquida. E esta ilha perdida no oceano começava a demonstrar de que era um continente. Na avaliação do Dr. Simão Bacamarte, a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros.

Leitura do bizarro, gótica, esta condição da miséria humana demonstrada na literatura. E apresentava a insanidade não como sátira, não sob o manto da ironia. Na ficção da contística, cada ação foi revestida com o grito de socorro diante da loucura de seu lugar (loucura diatópica), e de seu tempo (diacrônica), loucura diastrática – porque acontecia entre os grupos sociais; além da loucura diafásica – ocorrendo por causa dos meios comunicativos.

Todas elas como acontecimentos paratópicos porque surgiam na ficção da contística destes autores como alerta de lugar nenhum. Era pedindo socorro neste sentido de paratopia (não-lugar), era tomado como criação literária e não denúncia da opressão testemunhada.

Bauman entendeu que a modernidade era líquida. Recentemente? Neste período onde as relações humanas passaram a ser fugazes e por isto fúteis, até substituíveis, e as próprias substituições trocadas por outras substituições ad aeternum, como se dizia no passado. Na realidade às avessas, a questão que sobrava era idêntica àquela das narrativas machadianas: se a realidade vinha jurar por esta outra realidade.

E, por ironia, aqueles ares de Brás Cubas que não teve filhos para não transmitir a nenhuma criatura legado da miséria, foi descuidado com o aforismo nietzschiano de que, quando se olhava por tempo demais às profundezas de um abismo, o próprio abismo encarnava-se no olhar de quem o fitava.

Quem brigava para derrotar monstros, caso não vigiasse, poderia vir a ser monstro também. Joaquim Maria foi encerrado na Casa Verde em nome da pós-verdade, mesmo sem defendê-la o Dr. Simão Bacamarte? Na aludida contística, a venda vendava o olhar.

Secura do alienista, personagem criada e contada por Machado de Assis, que – num exercício de imagética – tivesse aprisionado o autor no asilo, atraía – como se encontrava em sua narrativa, – com a força de poderoso ímã, loucos de vilas e arraiais. E, nas palavras do narrador fluminense, “eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito.” O mundo foi sequestrado pela Síndrome do Alienista? “O padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo.” Delírio tomou conta da Rua Nova, onde ficava a Casa Verde, espalhou-se mundo afora?

Aquele mundo ficou dividido. Para atender aos hóspedes compulsórios e impulsionados por ondas sociais, segundo a voz do narrador, “em duas classes principais: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios, alucinações diversas.” A ponto dos comentários da mulher do alienista: “Quem diria nunca que meia dúzia de lunáticos...”.

Na releitura machadiana da narrativa do norte-americano Edgar Allan Poe (The system of doctor Tarr and professor Fether), era revelado que – “Enquanto ela [mulher do alienista] comia o ouro com os seus olhos negros, o alienista fitava-a, e dizia-lhe ao ouvido com a mais pérfida das alusões: Quem diria que meia dúzia de lunáticos...” – o objetivo era demonstrar interesse não à Ciência, ao acúmulo de capital.

Ainda sobre “O Alienista” – antes de concluir sobre o contista-matriz de Santana, – esta narrativa de ficção literária demonstrava hibridez entre estes dois gêneros literários narrativos: o conto e o romance-síntese. Como pretérito mais-que-perfeito era comum em contos de fadas, “O Alienista” era mais-que-um-conto.

Breno Accioly era o contista da loucura na rua dos lampiões apagados em sua estreia literária no Recife (Jornal do Comércio, onde trabalhava na redação o santanense e amigo Clodolfo Rodrigues de Melo, que intermediou a publicação do conto “Na rua dos lampiões apagados”). O próprio Clodolfo contou-me o nascimento deste contista-matriz de Santana. Conversei muito sobre isto com Lêdo Ivo³.
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¹ Este artigo “Estética na literatura de Breno Accioly surgiu do legado de outros contistas que o precederam falando da loucura” é a segunda parte; a primeira “Barroco e Parnasianismo presentes em Breno Accioly”; fortuna crítica de Breno Accioly dividida em três artigos. O terceiro “Um ponto de vista da tese sobre a contística de Breno Accioly: capital simbólico e escritor-matriz que apresenta Santana ao mundo literário".

² Autor dos livros “Não” (1988), e “As Ruas” (Maceió: Sergasa, 1992) como quebra de paradigmas com a pluralidade de gêneros literários na mesma publicação. E, assim, democratizavam-se os diferentes gêneros (resenha, artigo, conto, crônica, ensaio, poesia, teatro, HQs etc.).

³ Quando sugeri que Lêdo Ivo viesse aqui, e ele veio com a esposa Leda, para um festival de poesia que fiz com alguns amigos, editoras, promotores da feira do livro e ACL, Lêdo Ivo contou-me sobre Breno Accioly. Eles conviveram no Rio de Janeiro (Distrito Federal até a inauguração de Brasília, em 1960).

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