BARROCO E PARNASIANISMO PRESENTES EM BRENO ACCIOLY

Artigo

Por Marcello Ricardo Almeida (*)

Se dedução resulta das certezas interpretativas do próprio raciocínio lógico, indução colhe casos que se assemelham e chega-se a uma certeza. Esta certeza da presença do estilo literário de Breno unindo mundos literários distintos/distantes encontra-se em “João Urso”.

Ele é resultado da região e suas variações diatópicas, históricas e sociais portanto diastráticas nas quais está inserido o sertão. Esta geografia é berço da galeria ficcional onde são agasalhadas as personagens das quais se destaca a sua personagem-matriz (João Urso) de mãos pequenas e olhos espremidos por bochechas gordas no universo descomunal da cabeça que enxerga Santana por uma das janelas, no sobrado defronte a igreja da padroeira do município.

Na rua de lampiões apagados, o contista da loucura abriga este João Urso com tardias correntes literárias europeias do Barroco (1580) e do Parnasianismo (1882). Contou a miséria num misto de barroco e parnasianismo.

Barroco caracteriza-se com a estilística retórica alimentada por antíteses vivendo na mistura de opostos. Possui caráter de pedra irregular. Luz, sombra, tensionamento entre teocêntrico/antropocêntrico, presença de solidão e agonia. O mundo barroco é representado por água, relâmpagos, nuvens, morte. Busca-se rebuscar à sua escrita e abusa-se do paradoxo com esta e outras figuras de pensamento, a exemplo da ironia, hipérbole e gradação; estes são os recursos fonológicos que, valorizando os sons, oferecem relevo fônico à criação literária.

Parnasianismo está representado principalmente em sonetos. Caracteriza esta corrente pela busca de perfeição formal. Uma criação literária parnasiana é detalhista e ambienta a criação ficcional com descritivismo. Há presença da arte como sinônimo de beleza. Usa a figura de construção (polissíndeto) e intensifica o discurso com repetições. O espaço onde personagens transitam apresenta-se com a força das artes plásticas.

Soneto é esta forma fixa de poesia:

Silêncio
Os livros
Dormem
Agora

Entre as
Gôndolas
na estante
Silêncio

Deixa
O livro
Dormir

Seu sono
De livro
Silêncio.

O soneto em “João Urso” não está de corpo está de alma. Personificado em seu suplício ao ter que decorá-lo como forma de castigo sobre o tamborete.

Autor de “João Urso” colhe no barroco visões divergentes entre o sagrado e o profano, a loucura e a sanidade. Exagera segundo regras barrocas. Mistura complexidade de sentimentos, além das figuras, rebusca a linguagem ao gosto da crise pós-Renascimento. É hiperbólico, metafórico. Exagera nas gargalhadas de João Urso, causando a morte da equilibrista no circo mambembe que aparece em Santana.

No segundo estilo, – talvez legado inconsciente da professora Zefinha –, a velha linguagem rebuscada, detalhes no espaço de personagens. Cientificismo alienação social presentes nos espaços de João Urso.

Na filologia das serras
Onde pedras dormiam
Surgiram trovões senis

Fugiram de relâmpagos
Angústias represadas
Em terços e ave-marias

Era o próprio João Urso
Se repetindo em sonetos
Em pé em um tamborete

Ali, olhando à palmatória
Presa às mãos da mãe
Viajava no rito de castigo

João Urso gargalhando
Gargalhadas terríveis
Estremecendo Santana

E eram tantas e repetidas
Por elas caiu e morreu
Uma equilibrista do circo.

Lê-se no gênero textual narrativo curto que apresenta Santana ao mundo literário: aquelas gargalhadas em João Urso vêm como explosões incontroláveis – sem a presença simultânea do choro – como se identifica no Coringa dos gibis, que sofre de Síndrome Pseudobulbar. Este cientificismo que demarca o território, em João Urso, fracassa; a capacidade da Ciência não o devolve a Santana livre daquele riso provocador que evolui a gritos apavorantes e loucas gargalhadas.

(*)Autor de “Contista da loucura na rua dos lampiões apagados” – Breno Accioly (que teve berço em Santana do Ipanema no início da década de vinte, faleceu no Rio de Janeiro em meados da década de sessenta). Lêdo Ivo, que esteve no enterro, contou-me sobre o cortejo fúnebre.

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