HISTÓRIAS DE TRANCOSO

Crônicas

Por Lúcia Nobre

Hoje, a televisão substituiu as maravilhosas histórias contadas, até nos sítios e fazendas do Nordeste brasileiro. A tradição que herdamos das negras contadoras de histórias de engenho em engenho, de fazenda em fazenda, e que se estendia até as cidades, infelizmente deixou de ser. O que é uma pena para a criança. É a pós - modernidade. O mundo evoluiu, evoluímos nós. Se isto é bom, não sabemos. Caminhamos com a evolução. Precisamos disso. Só tenho certeza de uma coisa: caminhamos com o tempo. Mas, quem viveu o tempo das histórias de trancoso, há de lembrar as histórias que faziam as famílias se reunirem à noite para saborear o deleite.

Os poetas, os escritores santanenses, muito valorizam recordar as coisas acontecidas no passado, sejam engraçadas ou não. Isso faz com que não morra de vez nossa cultura, que tanto queremos preservar. Toda vez que são poetizados esses acontecimentos guardados na memória de cada santanense, é mais uma contribuição para nosso patrimônio cultural.

Dr. Avelar, médico e escritor de Santana, certa vez, no Portal Maltanet, mencionou o saudoso Antonio Nobre que residia na Rua Delmiro Gouveia em Santana do Ipanema. Avelar contava fatos ocorridos com o menino Ataíde, criado por Tio Tonho Nobre. Não desmerecendo os outros tios, pois amo todos, Tio Tonho era aquele de sorriso largo, sempre cordial com todos que visitavam sua família.

Mas, voltemos às histórias de trancoso. Tio Tonho, não só criou Ataíde, criou-se em sua casa, lá no Batatal, o menino Alfredo, que se tornou um contador de histórias. Como era de costume, os moradores da região reuniam-se no alpendre para ouvir causos. E lá, quem contava era Seu Alfredo. Conta, fumando seu cachimbo, que fora abandonado por seus pais e criado por Seu Antonio Nobre. Todos conheciam seu Alfredo naquela região. Sempre cantava assim:

Criei-me sem pai nem mãe
No meio deste sertão
Andando de déu em déu.
Fui criado meu patrão,
Como as ramas do algodão.

Os sertanejos gostam de cantar quando estão alegres e quando estão tristes. Cantar para comemorar e cantar para aliviar a dor. É muito comum ouvirmos toadas nos sertões. Lá no Batatal, sempre que acontecia esse encontro de contadores e ouvintes, aparecia a figura lendária de Bernardo, que ia vender pão e ficava por lá tagarelando. . Bernardo era filho de Dona Guilhermina e irmão de Cicera e Maria Baixinha que trabalhavam no Hotel de Dona Beatriz em Santana. Gostava de ficar ouvindo as histórias na casa de Tio Tonho. Bernardo apoiava o cigarro de palha em seus lábios caídos e sempre repetia: “só vendo pão na casa de rico, pobre não come pão”. Benedito Camilo, nosso primo querido, muito astucioso para uma criança, incentivava Bernardo a contestar as histórias de seu Alfredo, só para ver o circo pegar fogo. Por exemplo: “- O lobisomem não é lobisomem coisa nenhuma, é um cabra que veste um capote e sai atrás das mulheres”. Daí surgiam as polêmicas que eram amenizadas pelo dono da casa.

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