OS PASSEIOS A SERRA DA CAMONGA

Marcas do Passado

Remi Bastos

Foram vários os passeios que eu e o meu amigo Benedito Soares fizemos a Serra da Camonga, principalmente na época da pinha e do caju.Vivenciamos a primavera dos nossos quatorze anos mergulhados na fantasia que pairava sobre nós como uma brisa transformando os sonhos em realidade. O caminho era bastante conhecido e se estendia da casa de Seu Antonio Vicente, pai de Benedito, até as encostas da Serra da Camonga. Quase sempre seguíamos acomodados em dois caçoás atrelados ao lombo do jumentinho Chá Preto guiado por Dona Soledade, genitora do amigo. Geralmente as nossas partidas se davam por volta das cinco horas da manhã, em dias ensolarados, anunciados pela neblina e os cantos das rolinhas nos fios telegráficos que cortavam o imenso cercado que ladeava a casa do Biu. Sempre que acontecia o passeio eu dormia na casa do Benedito. Eram duas casas conjugadas onde em uma delas morou por algum tempo o seu avô, tendo o mesmo falecido ali.

Para aproveitar os espaços, Seu Antonio Vicente instalou em seu interior três ou quatro vasos de zinco para estocar cereais e manter-se suprido de milho e feijão durante a seca. Entre os vasos existiam armadores de rede distribuídos em triângulo nas paredes. Na véspera do passeio, costumávamos ouvir estórias de trancoso contadas por Dona Soledade, como, O morto que falou, “As rasga mortáia”, O cachorro da fateira, entre outras. Tínhamos duas opções de dormida, na sala da frente da primeira casa ou ao lado dos vasos. Sabendo que Benedito era mais medroso que eu, sugeri dormir na casa onde ficavam os vasos. Benedito aprovou a minha sugestão com exceção de Dona Soledade que nos alertou: “Meninos vocês vão dormir nessa casa mal assombrada?” Olhei para o Biu, este já com a rede debaixo do braço
e os olhos arregalados, dei uma de valente e disse, aqui não tem alma não. Está bem, completou Dona Soledade ao tempo em que nos acompanhou até o local tendo as mãos um velho candeeiro alimentado a gás óleo comprado na Bomba de gasolina de Seu João de Aquino. Armamos as redes e logo adormecemos. Acordei-me por volta das quatro horas da manhã com o ronco estridente de Benedito. Pensei um pouco e resolvi pregar um susto no Biu. Batia com os pés em um dos vasos, ao mesmo tempo em que falava com a voz trêmula tendo os dedos da mão esquerda prendendo o nariz: “Ooooiiiii ---- Eu sou o morto que fala”, a rasga mortalha vai lhe pegar ---- e batia no vaso. Daí a pouco o velho amigo Benedito soltou um grito alto chamando pela mãe. Finalmente recolhemos as redes e nos preparamos para o passeio a Serra da Camonga. Seguíamos pela velha estrada de barro que dava acesso a Santana, passamos ao lado do
cercado de Seu João José, Ladeira de Seu Francelino, Baixio de Seu Abílio Pereira, e lodo depois uma frondosa imburana situada a beira da estrada dobrávamos à esquerda por um caminho estreito até chegarmos ao sitio de Seu Antonio Vicente.

Sempre que íamos ali costumávamos ficar ao entardecer na varanda ou alpendre da velha casa de taipa, com frente para a serra, sentados em um “banco de pelar porco” ouvindo estórias contadas por Durval um caboclo que tomava conta da propriedade. E entre várias de suas estórias havia uma ou outra que dizia existir na serra um tesouro deixado pelos antigos, e que muita gente que se atrevia subir ali com o propósito de desvendar esse mistério não retornava. Contava-nos também da existência de uma sereia que em noites de lua cheia ficava sobrevoado a serra; o fogo corredor que segundo Durval era as almas vagantes de duas pessoas compadres amancebadas (amantes). Às vezes a gente observava aquela tocha de fogo cruzando a serra no meio da noite de um lado para outro e logo o medo se misturava com as nossas imaginações como numa fantasia dos deuses mitológicos. Aquele tempo bom passou, já não tenho mais aquele amigo de tantos anos, mas, a Serra da Camonga continua ali com seu esplendor irradiando mistérios que a infância não esquece.


Aracaju, 12/06/2010.

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