SE ELE ESTIVESSE AQUI

Marcas do Passado

Remi Bastos

A vida é um sopro divino que desperta a existência. Ninguém existe apenas por viver, nada se transforma se não houver uma continuidade. Somos o resultado de um código genético onde a natureza atribui a cada espermatozóide germinado o dom de suas características. Por isso que cada indivíduo trás consigo as qualidades que o identificam e se transmitem as gerações futuras, graças à continuidade da vida. Quem não o conheceu certamente ouviu falar de suas histórias, do seu jeito de ser, às vezes cômico às vezes melancólico. Reginaldo Falcão um amigo com quem convivi nos percalços da juventude, sentindo a fragrância da vida em cada momento brilhante que desfrutamos. O mancebo herdara de seu avô a continuidade da alegria e externou essa dádiva em sua existência. Sempre estava à mercê de sua criatividade, brincando, improvisando ou extraindo o sorriso de alguém. Entre os diversos momentos felizes que desfrutamos principalmente aqueles regados a cerveja ou “cachaça mesmo”, alguns ficaram marcados em minha vida pela essência que exalavam. Reginaldo experimentou apenas um amor ao longo de sua juventude, e graças a esse amor etéreo derrotado fez brotar em seus sentimentos o infortúnio pela bebida. Certa vez em Maceió juntamente com alguns amigos peregrinos da bebida na época, eu (Remi), Mindinho, Sílvio de Jandira e Motorzinho, em um bar de um amigo do Velho Bodega nas proximidades da antiga Rodoviária, no Bairro do Poço, justamente quando estávamos mais uma vez a serviço das coisas ruins, no Coliseu da “marvada pinga”. Enquanto iniciávamos no rodízio alternado entre uma gelada e “ela” sob o comando de Sílvio de Jandira, o nosso amigo Reginaldo dilaceradamente esvaziava suas paixões entre as doses imensuráveis da velha Mucuri (ambos de saudosa memória) em tempo restrito. Na decida da noite rumo à madrugada quando a neblina esfriava o cenário com sua languidez, Reginaldo já sem controle procurava um abrigo para o corpo no recanto da parede. Estava naquele momento vivendo a sua tristeza, que não era apenas sua, mas de seus amigos ali presentes. Sílvio compadecendo-se do amigo resolveu fazer-lhe companhia fazendo do velho “escatamaque” um travesseiro improvisado. Para não incomodá-los em suas sonecas resolvemos deixá-los ali nos braços de morfeu, e somente no dia seguinte tomamos conhecimento já em outro evento “biritório”, de que ambos foram acordados pelo proprietário do bar às seis horas da manhã. No entanto, a maior tristeza que Reginaldo enfrentou foi o desprezo de alguns amigos por conta da doença que vinha alterando a pigmentação de sua cor, o vitiligo, além da bebida e da hérnia umbilical que o atormentava, levando-o ao isolamento de todos. Pouco antes de sua morte quando das minhas idas a Santana, e ainda hoje mantenho esse ritual, o visitava em sua casa, porém, sentia em cada abraço em que eu tomava a iniciativa, de que Reginaldo já não era mais aquele menino vadio e alegre que conheci. Em seu rosto apenas a tristeza sorria. Ele se foi, mas deixou nos corações de seus amigos uma saudade duradoura que permanecerá na continuidade de nossos dias.

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