O REPOUSO DO GUERREIRO.

Crônicas

Marcos Cintra

Madrugada do sábado, dia 03 de junho. Chovia torrencialmente e a manhã era bastante escura.Como se a natureza, antevendo o desenlace que se aproximava, estivesse preparando o cenário apropriado. Era como se o dia não conseguisse conter as suas lágrimas diante da agonia a que estava sendo submetido o meu amigo Mário Pereira. Seu corpo débil já não respondia aos estímulos naturais, enquanto que os sentidos caminhavam para o colapso total, antecedendo a decretação do encerramento da sua missão na terra. O suspiro derradeiro.Para os crentes, o traço de união entre a vida material e o plano etéreo; para os materialistas, o ponto final.

Como de costume, nós aposentados do BB, amantes do futebol, havíamos terminado o nosso treino e estávamos em momento de absoluta descontração, conversando amenidades. Os ponteiros do relógio marcavam 10 horas e trinta minutos aproximadamente, quando, de repente, surgiu o nosso companheiro Carlos Jorge, com a notícia: Mário morreu! Seu rosto dava sinais de completa estupefação. Os presentes reagiram de diversas formas. Uns, nada diziam; outros tentavam compreender e explicar os mistérios da morte; alguns não continham as lágrimas. Naquele momento a chuva havia desaparecido e os raios solares ocuparam os seus espaços, devolvendo a claridade ao ambiente. A mesma natureza que havia preparado o clima funéreo, em atitude consoladora, tentou lembrar que a morte é o nascimento para uma vida superior. É preciso que o grão de milho seja sepultado para que venha a germinar, crescer e florescer; viçoso e forte.

Conheci o Mário em meados da década de 1960, quando iniciamos a nossa carreira bancária na agência do Banco do Brasil em Santana do Ipanema. Nossos caminhos cruzaram mais duas vezes: na agência de São Miguel dos Campos e Maceió.Fomos colegas, amigos e irmãos. Trocamos várias confidências a respeito dos problemas relacionados com o trabalho, a família e sobretudo com relação aos planos para o futuro. Era incrível a sua facilidade para fazer amigos. Altamente ético e solidário, era incapaz de trair. Esboçava enérgica reação quando tomava conhecimento de que alguém foi apunhalado pelas costas. Sentia como se estivessem dilacerando as suas próprias entranhas. Como se fosse a própria vítima. De “pavio curto”, era comum esbravejar e pouco tempo depois tentar contornar a situação. Muitas vezes passava a falsa impressão de que era um homem bravo. Entretanto não conseguia conter as lágrimas diante do sofrimento de alguém. Segundo ele, chorar é uma das características do cidadão de bem.

Após a cirurgia cardíaca a que se submeteu há mais de 10 anos, viver intensamente passou a ser um objetivo a ser tenazmente perseguido. Participava de cada evento de lazer, como se fosse o último. Gostava de ser o último a sair da festa porque só assim estaria usufruindo plenamente da situação. Dormir, implicava em perda de tempo.


Tinha verdadeira devoção pela família. Dedicava atenção especial aos irmãos, tios, e sobrinhos. De temperamento forte, muitas vezes divergia de algumas opiniões dos seus filhos, mas atribuía às mudanças culturais que separam diferentes gerações. Agindo com bom senso nas horas difíceis, foi amado intensamente pela família, especialmente pelos filhos e pela sua devotada esposa Miriam.Emocionante era a presença dos mesmos no seu leito de hospital.Ora acariciando o seu rosto, ora apertando a sua mão , tentando passar uma impressão de otimismo, quando sabiam da gravidade da situação. Estiveram presentes até o derradeiro instante.

Numa das últimas visitas, olhou, apertou a minha mão, não conteve as lágrimas, fechou os olhos e mergulhou em profundo silêncio. Foi uma despedida sem palavras, sem som gutural. Momento em que a emoção aflorou mais forte. O pressentimento do fim.
Sábado era o seu dia preferido. Futebol, encontro com os amigos, descontração total. Foi justamente o dia escolhido para a partida. Manhã do sábado 03 de junho“ ... “o guerreiro repousou”.

Que ele descanse em paz!

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