DIÁLOGOS IV – MINHA MÃE E EU

Pe. José Neto de França

Início da noite de 16 de junho de 2023. Sozinho no automóvel da paróquia, retornando de Santana, rumo à Major Izidoro, após meditar a oração do Santo Terço, conforme faço quando viajo à noite, apesar do cuidado com a direção, estava imerso em um turbilhão de pensamentos. Eis que um deles se evidenciou: uma frase que ouvi, no ano de dois mil e vinte, quando assistia o primeiro capítulo da série “A maldição da mansão Bly” no canal da Netflix, proferida por um dos personagens, a pedido da noiva, durante um jantar que precedia um casamento: “Amar verdadeiramente uma pessoa é aceitar que a dedicação em amá-la, vale a dor de perdê-la”.

Na época essa frase foi impactante para mim. Talvez, por isso, que agora ela me provocou novamente. Pensei... pensei... pensei... Acho que sei quem humanamente pode clarear mais a minha mente. Quem? Aquela que eu mais amei nesse mundo! Minha mãe.

Mas, minha mãe não morreu?

Morreu temporalmente, mas não para Deus, não para mim...

Na verdade, quando amamos alguém, sem perdermos nossa individualidade, aquilo que somos independentemente do que quer que seja, carregamos um pouco desse alguém dentro de nós.

Chegando em casa, diante de meu companheiro de escrita, meu notebook, abrir o editor de texto, meditei por alguns segundos, depois mergulhei no meu imaginário e encontrei-a. Quem? Mamãe!

- Boa noite, Maria Lila de França Rodrigues Belém Barbosa Vilar...

Repeti o que fazia nos últimos meses de vida temporal dela, objetivando, naquele tempo resenhar com ela para mostrar meu carinho, como sempre fazia, mas aqui para quebrar o gelo da falta de comunicação com ela, desde seu óbito (só a vi uma vez eu um sonho realista).

Rindo como sempre fazia, já que ela gostava quando eu a provocava, disse:

- Boa noite, Zeneto! Você como sempre, “perde o amigo, mas não perde a piada”.

Mesmo me esforçando para que não acontecesse, meus olhos lacrimejaram.

- Há quanto tempo, mamãe! Sinto sua falta. Aliás, toda família.

- Não sei por quê! A casa continua lá. Nada está faltando! A rotinha continua a mesma. A vida segue seu curso. Seu pai e eu sempre estamos com vocês.

- Sei disso, mamãe. Eu mesmo enquanto seu corpo estava sendo velado, pedi a Salete, Aninha e a empregada que limpassem toda a casa e tirasse qualquer vestígio de morte presente nela. Fiz isso para diminuir o sofrimento dos meus irmãos e irmãs e meu. Minha intensão era lembrar-nos da senhora como era em vida.

- Fizeste bem! Enquanto no mundo temporal, deve-se valorizar essa fase da vida. Vivendo-a corretamente, o encontro conosco que já estamos no plano espiritual, passará da possibilidade para a realidade.

- Certo. Mesmo assim, os laços que construímos ao longo do tempo não são desfeitos facilmente.

- E nem deve serem desfeitos. Apenas não pense em mim como alguém que morreu, mas alguém que vive. A morte, é só uma passagem. Um dia você vai compreender melhor, como eu já compreendo.

- Obrigado mamãe!

- Zeneto, estou percebendo que você não pensou em me encontrar só para isso. O que você quer?

- Apenas ouvir a opinião da senhora sobre uma frase que ouvi um dia e hoje, quando retornava de Santana do Ipanema para Major Izidoro, lembrei-me novamente...

Mamãe riu e falou:

- Eita, Zeneto. Você e sua mania de questionar. Qual foi a frase?

Respondi:

- “Amar verdadeiramente uma pessoa é aceitar que a dedicação em amá-la, vale a dor de perdê-la”

- Vejamos, Zeneto: considerando o amor acima de qualquer outra virtude, inclusive não o confundindo com paixão que vê o outro mais como um objeto de posse, a amplitude de alcance da frase é bem maior.

- Maior?

- Sim! Ao contrário da paixão o amor não é doentio, nem tampouco ciumento. Ele, o amor, vê o outro, independentemente de quem seja o outro, como uma extensão de si mesmo.

- Pelo que se senhora disse, deduz-se que o amor verdadeiro deve ser vivido entre todas as pessoas, independentemente de quem seja.

- Com certeza, meu filho. Logicamente que o amor entre esposos é diferente do amor entre pais e filhos, que por sua vez é diferente entre irmãos; entre amigos...

- Entendi, mamãe! O que é comum entre todos eles são o respeito, a confiança e a liberdade existente entre cada membro que se ama.

- Você entendeu muito bem! É também lógico que quem ama não quer perder a pessoa amada. Mas, justamente por causa do amor e não de paixões desordenadas, o medo de perder, ou mesmo a sensação de perda, quando esta vir a acontecer é atenuada. Todo ser vivente sabe que cedo ou tarde, deixará a vida na linha do tempo.

- Isso mesmo, mamãe. Comecei a aprender isso quando papai morreu, mas só fui amadurecer mais esse aprendizado com o óbito da senhora.

- Ótimo que você tenha entendido. Certamente que só quem tem o poder de separar quem ama é o corte existencial que chamamos de morte. Mesmo assim, esse separa apenas e tão somente o que se refere a vida temporal. Como você pode ver, não estou morta, mas viva. Apenas estou em outro plano.

- Interessante, mamãe. Uma vez, em um de meus escritos disse que, assim como o amor é o liame que mantém uma família coesa, unida, quando uma pessoa amada parte para a eternidade, quem ficou sabe que o corte, por ser temporal, provocará uma expectativa de um encontro futuro e, justamente o amor, será o liame que manterá a ligação entre o tempo e a eternidade...

- Perfeitíssimo, meu filho. Viva isso. Ensine aos outros o mesmo. Todos sairemos ganhando. Alguém pode estar no eterno, mas, em quem ficou, pelo fato de continuar amando, permanecerá nas boas lembranças, nas coisas (sinais) que deixou para trás, na saudade que tempera a alma, como você mesmo já andou escrevendo e pregando por aí...

- Claro, mamãe. Por mim, pelos meus irmãos e irmãs, por Deus, farei isso, sim. Logicamente que a senhora há de concordar que mesmo nos sentindo fortes, sofremos quando alguém tão amada como a senhora parte para o plano espiritual.

- Zeneto, é natural esse tipo sofrimento, mas, nesse caso, ele não é relevante, é passageiro, pois ele externa apenas e tão somente o amor sentido, vivido; o belíssimo vínculo com a pessoa amada. Você foi exemplo disso. Alternou-se entre choro e emoção diante da notícia de meu óbito, do meu corpo ainda em minha cama, quando ele estava sendo velado, durante a Missa de Corpo Presente. Mas chegando o final da missa, tudo foi desvanecendo... Veja que nas últimas recomendações que você fez diante do túmulo onde foi depositado meu corpo, você estava em paz e, ao chegar em casa passou essa paz para os outros. Até hoje você é esse canal de amor que pode unir a família. Isso é, de fato amor. É esse amor que nos une. O sofrimento só é avassalador quando não existiu amor, apenas paixão.

- Realmente, mamãe. Essa nossa conversa, leva-nos a crer que a frase “Amar verdadeiramente uma pessoa é aceitar que a dedicação em amá-la, vale a dor de perdê-la” se aplica no quotidiano de quem ama. De fato, sofremos muito, mas tudo como consequência do grande amor que sempre tivemos e vamos continuar tendo pela senhora...

- Sei disso, Zeneto... Conte sempre comigo, com seu pai e com os que já estão comigo no plano espiritual.

- Com certeza, mamãe. Abençoe a mim e aos meus irmãos e irmãs.

- Deus te abençoe meus filhos e filhas.

Fechei os olhos novamente... senti o cheiro do perfume que sempre dava a ela no seu aniversário: Lily do Boticário!... Respirei e inspirei lentamente por umas três vezes... abrir os olhos... encontrava-me só... mundo real...

Enigmas da vida

[Pe. José Neto de França]

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