"CANEIRO" e "LEITEIRO"

Djalma Carvalho

Logo que tomei posse na agência do Banco do Brasil em Santana do Ipanema, em julho de 1961, andei anotando, por curiosidade, alguns ditos ou bordões cunhados por colegas de trabalho, pronunciados, sobretudo a mesas de bares na cidade e na AABB. Também, vocábulos cujos significados, ainda que em sentido figurado, não os encontrava nos dicionários da língua portuguesa.
Quanto a ditos e bordões não esqueci dois. Do subgerente Chico Vasconcelos: “A situação está periclitando”. De João Farias Filho, colega santanense: “Muito que bem”.
Caneiro, por exemplo, segundo mestre Aurélio, significa: 1 – pequeno canal; 2 – estacada para pesca no leito de um rio; 3 – parte mais funda e navegável de um rio; e 4 – braço de mar entre rochedo.
Da mesma forma, leiteiro, de acordo com o saudoso dicionarista alagoano, significa: 1 – que produz leite; 2 – que conduz leite; 3 – que tem muita sorte no jogo; 4 – vendedor de leite; 5 – arbusto rico em látex pegajoso; e 6 – nome de peixe, conhecido por cascudo-preto.
Observa-se, daí, que esses vocábulos não se referem, nenhum deles, a tomador de bebidas alcoólicas, ou não, ainda que grafados entre aspas, como no título desta conversa fiada.
“Caneiro”, assim com aspas, referia-se, então, a colega tomador de qualquer bebida alcoólica, destilada ou não. A qualidade de “Leiteiro”, por sua vez, seria dada ao abstêmio ou ao tomador de leite. Em fim, nada de vício etílico, mas somente brincadeira entre colegas de trabalho, senão uma complicada questão de semântica.
De minha parte, desde logo recebi a “classificação” de bebedor moderado, sóbrio. Nem “caneiro”, nem “leiteiro”.
O funcionário que tomava posse no BB, além de vítima do costumeiro trote perpetrado por colegas antigos e espirituosos, era logo “convidado” a pagar uma rodada de cerveja, tão logo recebesse o primeiro salário. O “leiteiro”, claro, sendo abstêmio, pão-duro e sovina, não se dispunha a pagar nada, não obstante os insistentes apelos dos colegas.
Sobre “caneiro” de verdade, o saudoso colega João Farias Filho contou-me que, em certa boca de noite, um rapaz bem-vestido, de gravata e sem paletó, descia do ônibus que fazia a linha Maceió-Santana do Ipanema. Já de porre, carregava consigo uma pequena mala de viagem.
A uma das mesas do primeiro bar que encontrou, o desconhecido sentou-se, pôs a mala ao lado e começou a tomar seu costumeiro trago, até com certo desespero ou exagero. Dizia-se – e era verdade – funcionário do Banco do Brasil, com o compromisso de na manhã seguinte apresentar-se para trabalhar na agência local.
Em cidade pequena, como Santana do Ipanema à época – isso lá para o meado da década de 1950 – a notícia da chegada do novo bancário espalhou-se rapidamente. Tratava-se, de fato, de funcionário removido ou designado para cumprir temporária missão na agência local. Para cumprir castigo ou missão, o novato bancário chegava de porre, assim já enquadrado como “caneiro”.
Logo apareceram colegas do Banco do Brasil que, de boa vontade e hospitaleiros, levaram-no, já biritado, para o devido pernoite e repouso na “República dos Bancários”.
O novato “caneiro”, cujo nome não me fora revelado por João Farias, entretanto demorou pouco tempo em Santana do Ipanema, despachado que fora para sua agência de origem, antes mesmo de cumprida sua missão na cidade.
Maceió, março de 2021.

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