Segredo para os seus olhos

Crônicas

Por João Neto Félix Mendes

A minha rua era igual a tantas outras. Todo ano, no mês de dezembro, ficava mais bonita com a chegada das festividades natalinas. Até a velha algarobeira estremecia seus galhos e raízes, pois o abrigo da sua sombra tão valorizada durante todo o ano, era razão inferior considerando a exclusividade da missão-protagonista que estava porvir.
Na nossa casa, cedo aprendemos a lidar com a praticidade da energia elétrica e sua utilidade no dia a dia da casa, sem se descuidar da segurança, claro! Então, fazer gambiarra para iluminar um novo ambiente, troca de lâmpadas e acessórios era algo corriqueiro que os homens aprenderam a lidar precocemente. Comigo não foi diferente, quando todos os irmãos saíram para cuidar de suas vidas e das exigências do mundo adulto.
Das minhas lembranças mais antigas, algumas jamais se desvencilharam de mim. E, dentre elas; o encanto das luzes e das cores natalinas! Naquele tempo ainda não havia as novidades tecnológicas de hoje em dia. Porém, meu pai enquanto viveu, fazia questão que todo ano fosse instalada gambiarra com luzes de diferentes cores, com pisca pisca, na velha algaboreira da frente de casa, tudo feito manualmente com o que a gente tinha disponível. Comprava-se, apenas, o dispositivo elétrico; pisca-pisca!
Era um compromisso de honra que jamais poderia faltar. E assim, todos os filhos se mobilizavam e se revezavam para cumprir sua exigência. Dizia-se arauto dos costumes cristãos.

Foto: universo particular - Fonte: acervo João Neto Felix Mendes


Ano após ano, quando chegava o mês de novembro, ele já anunciava a providência e escolhia um dos filhos para preparar a fiação e luzes que foram guardadas do ano anterior para reinstalação na algarobeira no dia 30 de novembro. Esta data marca o início do tempo do advento para a Igreja Católica, até a Festa de Reis, no dia 06 de janeiro. Após a data, solicitava a retirada dos apetrechos.
A algarobeira gabava-se de ser a árvore mais imponente e vistosa de toda a avenida. Ao anoitecer, tornava-se majestosa e espledorosa sinalizando que a chegada do Rei estava próxima. Os vizinhos apareciam eufóricos às portas a contemplar e exaltar a beleza das cores. O alarido dos meninos que corriam e saltavam de um lado para outro era atroador, como que enfeitiçados pela magia da iluminação colorida piscando.
No teatro da vida minha rua era palco de espetáculo de luz e cor. Os atores se fantasiavam de si mesmos e sempre cabia quem mais chegasse. Os sonhos eram ladrilhados com o brilho cintilante das cores na cerração dos grandes medos dentro da noite atroz.
Conta-se que ao final de 1880 o inventor das lâmpadas, Thomas Edison, pendurou diversas lâmpadas incandescentes ao redor do seu laboratório no Parque Menlo, para chamar a atenção de quem passava por ali. Dois anos depois, Edward Johnson, colega de Edison, fez a primeira árvore de Natal com luzinhas em Manhattan. A evolução das luzes de Natal é semelhante à da lâmpada, com algumas variações incrivelmente ornamentadas.
A tradição, entretanto, não começou meramente por uma jogada de marketing, já que dezembro é o mês mais escuro do ano no hemisfério norte. Portanto, as luzes eram uma promessa do retorno do sol. As luzes de Natal sofreram grandes mudanças ao longo dos anos, e hoje é possível encontrar uma diversidade de formatos, tamanhos e cores.
Mesmo meu pai tendo falecido há décadas, continuamos cumprindo e renovando o ritual, seja de um jeito, seja de outro! Por força das circunstâncias, tivemos que mudar de endereço. Tempos depois a algarobeira que ofereceu tanta sombra aos transeuntes e foi palco de tanta festividade, fora cortada sob o pretexto de que não mais servia e ainda sujava a rua com as folhagens caídas.
Os moradores raramente conversam nas calçadas. E os meninos? Bem, os meninos de hoje ficam trancados em casa pois não é seguro irem ao portão à noite. A interação espontânea ganhou ares de temeridade, sendo substituída pela diversão solitária dos jogos eletrônicos do smartphone.
Diz o poeta Camões; “ Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades...”
Tudo isso poderia ser algo banal na vida de qualquer menino do meu tempo não fosse o fato de que meu pai era totalmente cego e nunca chegou a ver, com os seus olhos, as luzes e as cores natalinas que ele tanto valorizava.

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