Todos os dias eu fazia aquele percurso. Embora a gente pense que tudo é aparentemente a mesma coisa; no fundo, no fundo, sabemos que não é. “Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia. Tudo passa...” Mas, naquele dia algo especial estava reservado para acontecer. “Nada vai permanecer no estado em que está. Eu só penso em ver você; eu só quero te encontrar...”
Era uma manhã de abril, em pleno outono! Aliás, outono que só conhecemos de nome, pois para nossa região sertaneja, só conhecemos mesmo é muito verão e um pouco de inverno. Caminhando pela rua, algo despertou minha curiosidade: Um arbusto plantado ao lado de uma casa, sem muro, à disposição dos olhares atentos, tinha muitas flores, de várias cores, e eram delicadamente perfumadas. Eu ainda não tinha presenciado um espetáculo daqueles. Não só eu que parei para apreciar aquela florada inusitada, mas muita gente!
No segundo dia, voltei ao local e dessa vez me dirigi a residência ao lado e indaguei:
-Senhora, como é o nome dessa planta?
-Ela me respondeu: É Manacá de cheiro!
-Respondi que não conhecia e continuei perguntando:
- A senhora me dá uma muda? Ela respondeu:
-Dou, mais o bom mesmo é roubar! Seu menino, planta roubada pega que é uma beleza! O senhor poderia já ter tirado um galho aí. Não tinha problema não! Sabedoria popular não se discute!
Ela me deu a muda, cujo galho plantei em casa e, desde então, sou apreciador e cultivador desse arbusto singular. Trata-se do Manacá-de-cheiro (Brunfelsia uniflora, Solanaceae). Nessa, e em muitas outras espécies, é bom esclarecer, as plantas não produzem flores de cores diferentes. São as flores que mudam de cor ao longo do seu tempo de vida.
O Manacá de cheiro era presença certa nos quintais das casas das vovós do início do século vinte. Hoje não é tão fácil encontrar essa espécie nativa da Mata Atlântica em quintais, porque boa parte desses lotes cheios de pomares e flores deu lugar a apartamentos. As flores são a grande atração; arredondadas de cor azul-violeta que vão se tornando esbranquiçadas com o tempo, oferecendo um espetáculo na primavera, quando se cobre de flores quase não aparecendo as folhas.
Periodicamente, continuei passando por aquela rua sempre venerando aquela planta pela sua simplicidade e beleza. Após dois anos, voltei àquela rua e não encontrei mais o pé de Manacá-de-cheiro. Pensei comigo: devo ter errado a rua, pois não encontrei mais aquele local. Como estava apressado, não investiguei com calma. Outro dia, fui à mesma rua, por acaso, visitando uma família amiga e aí, lembrei-me do fato, e questionei sobre o pé de Manacá-de-cheiro se era naquela rua.
Só então, fiquei sabendo do que havia acontecido: Aquele casal havia se separado e na divisão dos bens, um deles ficou com o terreno onde estava plantado o Manacá-de-cheiro e então a sua primeira providência foi construir um muro para separar os terrenos para evitar confusões. Então o Manacá-de-cheiro passou a ficar do lado de dentro, invisível aos olhos de quem passava pela rua.
Após a construção do muro, o lado de cá da rua, no passeio público onde se via o Manacá, agora só se ver a sombra do muro sobre a calçada. Sombra inútil e sem serventia, pois ninguém mais aproveita aquele espaço. Andando pelas ruas de outono, restou apenas a singularidade do olhar e a memória da flor.
Lamentei, mas nada podia fazer senão guardar os momentos de deslumbramento pela exuberância e perfume da florada do Manacá-de-cheiro que agora só o dono da casa poderia desfrutar da sua beleza cerceada. “... Coisas vão se transformar para desaparecer. E eu pensando em ficar; A vida a te transcorrer...” “...Geleiras vão derreter, estrelas vão se apagar. E eu pensando em ter você pelo tempo que durar...”
João Neto Felix Mendes, outono/2017
Citados trechos das canções:
Pelo tempo que durar (Marisa Monte/Adriana Calcanhoto)
Como uma onda (Lulu Santos/Nelson Mota)
Ruas de outono: O lado sombrio da liberdade
CrônicasJoão Neto Félix Mendes 11/04/2017 - 19h 57min

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