A “BOLA” EM SALATUMIA

Crônicas

Antonio Machado

Existem pessoas que parecem vir ao mundo para viverem no sacrifício, ou serem marcadas pela pobreza. Salatumia é dessas pessoas, nascido nos confins do sítio Minador, no município de Olho d’ Água das Flores, sendo portador de uma dosagem de feiúra muito grande, como profissão abraçou a pesada vida de motorista de veículos pesados, trabalhando sempre nas fazendas, como tratorista.

Mesmo dentro do surrão da feiúra, encontrou nos braços de Gedalva Correia, um lugar para encostar a cabeça, e via de regra, quando o amor lhe aflorava o jardim do coração, Salatumia no calor do umbigo de Gedalva, cantava uma música dos finados Cascatinha e Inhana : “encosta tua cabecinha no meu ombro e chora/ e conta tuas mágoas só para mim/quem chora no meu ombro eu juro/ que não vai embora/ porque gosta de mim”.

E nesses afagos, Salatumia “cumeu” Gedalva. A família deu uma poupa da peste, mas o casamento de Salatumia com Gedalva, nasceram cinco sambudos que se criaram entre os trancos e solavancos da vida.

Salatumia já não encontrava mais naqueles braços o mesmo sabor de outrora, e nem um beijo gelado lhe caia nos lábios, como cantava o finado Zé Augusto, o sergipano, em seu famoso bolero “beijo gelado”. Fizera, pois, Salatumia, da aguardente seu lenitivo, quando já suspeitava de um pé de pano visitando sua casa, tanto era a indiferença de sua “santa” esposa.

E num cair de uma tarde chuvosa, quando Salatumia chegou cansado da roça, quando a luz do candeeiro bruxuleava numa mesa desforrada, ele encontrou um prato de feijão já pronto, estranhando a delicadeza da mulher, mas cheio de fome, começou a deglutir o jantar, sentiu que tinha pedra na comida. Na luz tosca do lampião as pedras brilhavam no prato, Salatumia suspeitou de alguma coisa. Inquiriu da esposa uma explicação: Gedalva, que peste tem nessa comida? E ela começou a chorar talvez arrependida pelo ato cometido e disse: Foi uma “bola” de caco de vidro que eu botei em você. Aí houve uma briga grande, e ambos se separaram. Ela arranjou outro e ele além de muito feio perdeu seu pandeiro velho de tocar a boca da noite.

Diante do trágico idílio, o poeta sem métrica, Coly Flores, escreveu esta décima e me enviou, com pedido de publicação: “O que aconteceu/ com Salatumia/ naquele dia quando anoiteceu/ o pobre comeu,/ vidro pisado/ pela mulher preparado/ para o pobre matar/ por não lhe amar/ e deixar-lhe lascado”.

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