UM ONCEIRO

Outras Peças Literárias

Lúcia Nobre

Do conto “Meu Tio Iauaretê” de Guimarães Rosa
Análise de Lúcia Nobre

Um onceiro, mestiço de índia com branco, é enviado por um fazendeiro para caçar onças e acabar com elas. Sozinho terá de acabar com as onças do sertão. Só que ele faz o contrario, leva as pessoas para a onça. O encarregado de dar fim as feras, atrai as pessoas e as leva para sua alimentação. Ai de quem toca no assunto. Qualquer um que perguntar se é verdade que ele é amigo do animal, ele se transforma em inimigo mortal do curioso.
Gosta de contar histórias e enquanto toma cachaça, vai narrando, e se alguém não acredita, convida para a toca do animal e ai tem o prazer de entregá-lo às presas ferinas do devorador. Sente prazer em ouvi-la mastigar. Ele aprendeu a gostar de onça porque não tinha amigos nem morada. Aprendeu imitá-la. O que se percebe é que, em lugar de desonçar o sertão, ele está acabando com os homens, numa espécie de vingança contra a civilização. Provando, assim, que é parente de onça.
Um fato curioso é que o autor das mortes não tinha raiva de nenhum dos que matou. Mas todos tinham em comum os defeitos equivalentes aos sete pecados capitais: preto Bijibo, a gula; seu Rioporo e seu Rausemiro, a soberba e a ira; Gugué, a preguiça; Antunias, a avareza; Maria Quinéia, luxúria; preto Tiodoro, luxúria e avareza.
O onceiro conta porque matou seu Rioporo:
_ Que é que tu ta fazendo por aqui, onceiro senvergonha?! _ foi que ele falou, me gritou, gritou, valente, mesmo.
_ Tou espiando o rabo da chuva... _que falei.
_ Pois, por que tu não vai espiar tua mãe, desgraçado! ? _ que ele tornou a gritar, inda gritou, mais, muito.
O onceiro não quis conversa, tapeou o valentão e o empurrou para comida da onça. Longe da civilização e revoltado com todos, sentia prazer em destruí-los. Repetia sempre o seu parentesco com o animal. E ainda afirmava que não matava ninguém.
Mas ele veio, chegou na beira da pirambeira, na beirinha, debruçou, espiando pra baixo. Empurrei! Empurrei, foi só um tiquinho, nem não foi com força: geralista seu Rioporo despencou no ar... Apê! Nhem-nhem o quê? Matei, eu matei? A pois, matei não. Ele inda tava vivo, quando caiu lá em baixo, quando onça Porreteira começou a comer..., bonito! Eh, p’s eh porá! Erê! Come esse meu tio... (p.85).
O conto “Meu Tio o Iauaretê” está incluído no volume Estas Estórias e foi publicado pela primeira vez em março de 1061, na revista Senhor. É mais uma inovação do escritor Guimarães Rosa de Grande Sertão: Veredas.




Obs: O termo iauaretê, que tem grande importância para a compreensão do texto, em tupi significa “onça verdadeira”.

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