Cheguei cedo para a visita! Fui ao abrigo dos velhos para visitar D.Maria, mãe da Rosa. Não foi a primeira vez. Há anos, fui voluntário no abrigo São Vicente de Paula em Santana do Ipanema. Nós fazíamos de tudo que fosse necessário e estivesse ao alcance. A minha afinidade com a velhice é antiga. Talvez seja o moço velho que há em cada um de nós.
Naquele grande casarão tem uma grande varanda interna. Na área central há um grande e bem cuidado jardim, onde reinam exuberantes, grandes roseiras vermelhas. Logo encontrei D. Maria sentada numa cadeira de rodas, na varanda, junto à colegas da casa. Ela ficou surpresa com a visita! Estava também D.Alice, uma velhinha simpática, daquelas que todo mundo gosta. Sua alegria e inocência são contagiantes! Logo a convidamos para ficar conosco. De repente, tive a idéia de dar uma volta no abrigo, em companhia de D.Maria, empurrando sua cadeira de rodas, percorrendo a grande varanda para conhecer melhor o ambiente. Percebi os detalhes das lindas roseiras vermelhas e todo seu esplendor. O Jardim é muito bem cuidado! Fiquei encantado com a quantidade de rosas vermelhas! Fazia tempo que não via um jardim tão cheio de rosas. Minhas lembranças divagaram e a esmo, encontro-me na antiga casa dos meus pais. Minha mãe antes de ter um jardim em casa tinha uma roça a alguns quilômetros da cidade. Recordo-nos saindo pela manhã para irmos à roça. Lembro-me, com detalhes, a perigosa travessia de mais uma enchente no rio Ipanema. Havia uma passagem molhada que estava coberta d’agua. Como são úteis as pontes! A voz das águas, contornando as pedras e forçando sua passagem, ainda está ressoando nas recordações. Atravessamos assim mesmo. Na roça, havia uma plantação de milho e feijão. O cheiro de mato verde é rejuvenescedor, trás paz e harmonia. Eu ficava seduzido com o pé de melancia! Como podia uma raminha de nada dar uma fruta tão grande! Nunca gostei muito de melancia, mas a ramagem faz gosto ver!
Da roça veio a inspiração para se ter um jardim. Minha mãe adorava jardim! Era uma jardineira da vida! Na casa tínhamos um pequeno jardim. E no jardim, roseiras: do tipo menina, “la france”, vermelhas e as comuns, as mais perfumadas. Aprendi a ser jardineiro experiencial. Assim, dessa forma, também aprendi a cuidar de plantas. O jardim teve outras variedades; jasmins, dálias, lírios e cravos. Ah! Os Cravos sempre foram os mais difíceis de serem cultivados. É o preço que se paga por um perfume tão arrebatador. As formigas adoram os cravos, roseiras e são trabalhadoras incansáveis e não nos dão trégua, qualquer descuido, perdia-se tudo. Só amanheciam os talos. Entretanto, um jardim tem que se preza tem que ter rosas, seja lá de que tipo for...
D. Maria mora no abrigo, porém não percebe a beleza das rosas! Chamo sua atenção. Simplesmente olha para as rosas e pra mim, rir discretamente, disfarça e redireciona seu olhar perdido... Consciente, diz que não gosta dali. Gostaria de ir pra casa. Aos poucos fui percebendo que D. Alice é o xodó do casarão. Todos a cumprimentam, abraçam-na aos beijos. Ela recebe a todos com muito carinho e alegria. Está ali há mais de 30 anos, confessou. Não tem ninguém no mundo, além do carinho e afago dos funcionários e visitantes. Confessou que foi doméstica durante muitos anos em casa de uma família, até a morte dos patrões. Após o episódio e sem ninguém, não teve alternativa senão ir para o abrigo. Quem iria me acolher, senão eles, afirma! Diz que se sente feliz ali. Tem muitas bonecas! As bonecas são suas filhas e não dão trabalho. De vez em quando lhes dá banho e as acalenta para dormir. Vivem a dormir o tempo todo. Com sorriso maroto diz que se sente bela! Dona Maria está junto conosco. Apenas observa a colega, sorri e balança a cabeça, querendo dizer, talvez, que seja loucura dela! Tenta falar, mas não consegue. Dona Maria depois de um avc tem dificuldade para falar. Eu quase não entendo o que ela diz. Sinto uma tristeza, uma angústia no seu olhar. Tento animá-la. Nesse momento, ouvi um choro forte. Uma outra colega do lugar chora copiosamente. Fico comovido. Vou ao seu encontrou. Ela murmura algo que não entendo. Tenta me dizer o que sente, mas não consigo traduzir. Parece ter problemas mentais e físicos e está numa cadeira de rodas. Quando pergunto se quer dar uma volta no abrigo na cadeira, ela gesticula positivamente e se cala. Chego à conclusão que queremos, sem exceção, carinho e atenção. Por pouco que seja! Queremos nos sentir amados, ainda que com pequenos gestos. E ali estão as rosas vermelhas no centro do jardim, perto de nós, silenciosas e deslumbrantes. São as testemunhas do entardecer daquelas vidas. Logo terão de murchar e dar lugar a outras rosas. E assim a vida continua, nas rosas, em você, em mim, em D. Maria, D. Alice. Somos partes de um todo que só se completa pela solidariedade e pela inter-relação das coisas.
Penso que, se um dia eu fosse morar num abrigo à velhice, gostaria que meus conhecidos fossem me visitar. Que falassem do mundo lá de fora, dos acontecimentos... Dos sonhos que se realizaram; das esperanças que não foram perdidas; dos amores bem sucedidos; das crianças que nasceram; das flores e rosas que brotaram na primavera e de pássaros que ainda cantam nas árvores por aí...
Novembro2006
Conto publicado em 11/12/06
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