BACURAU NA SEGUNDA FEIRA

José de Melo Carvalho

BACURAU NA SEGUNDA-FEIRA.

José de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Acadêmico Correspondente da Academia Maceioense de Letras.

Segunda-feira de carnaval, o relógio da igreja marcava dez em ponto e lá estava o bloco, sem registro de ausências, na sua concentração. Juriti já tinha chumbado a placa na parede e ela continuava balançando. Descemos pelo Beco de Seu Linduarte, pai de Paulo Dom e fomos terminar os compromissos da Rua do Sebo. Na passagem, Seu Antônio alfaiate, pai de Tonho Bicudo, recebeu um recado da turma avisando-lhe que Juca estava querendo falar com ele. “Depois eu vou lá”, disse ele sem olhar para nós, preso às suas costuras. Paramos na oficina de Seu João Cachaça e Horácio, aproveitou para dar o recado que seu avô mandou: “Seu João, Seu Felizdoro quer fazer um banco pela-porco”. “Diga a ele que depois em subo e acerto a empreitada”, disse ele de plaina nas mãos alisando uma madeira troncuda.
Prosseguindo, Seu Leôncio, bem tranquilo, sentado numa espreguiçadeira fumando um cigarro de fumo de corda, olhava a nossa passagem, já esperando uma pilhéria. Portava uma “peixeira doze polegadas”, que tinha recebido de presente do bando de Lampião. Foi a vez de Tonho Jacaré gritar: “Seu Leôncio venha acompanhar o bloco”? “Eu sou cabra sem vergonha para andar com umas desgraceiras dessas”! Respondeu cuspindo de lado.

Lobinho mexeu com seu Carrito perguntando por Aderval de Zerubano. Ele respondeu meio desconfiado, que o mesmo tinha descido com umas cordas para o panema, juntamente com Rui de Seu Manezinho e outros amigos para pegar uns animais (jumentas) que o pai mandou. Estavam lá sentados às mesas tomando jurubeba Leão do Norte: Menininho (Brito) Nego Isnaldo, , Nego Lila, Pipita, Papa Mé, Denanci, Mané Banquinho, Nego Carlos e Domício Grosso. Mané do bode e Cizinho desciam para uma pelada no panema.

O dia foi longo e a noite estava chegando. Recolhemos o bloco e tocamos para nossas residências para descansar. Zé Ormindo mais uma vez imitava um cachorro doido: ”auuuú, auuuú, auuuù”.

22 horas, todos do bloco à porta no Tênis esperando abrir, inclusive boa parte da sociedade. Miguel da Barriguda entrou apressado alegando ao porteiro que tinha esquecido uma panela de cágados cozinhando no fogão. Entrou em disparada. Ele estava biritando com Pedro Mão de Aço, Miguel Chagas e Ademir Aquino, na Sede dos Artistas.

Fila enorme, alguns pedintes e bêbados aporrinhavam, ao lado. Barracas vendendo cocadas pasteis, bombons, chicletes e outras guloseimas; blocos fantasiados, algumas moças de colombinas, rainhas, bailarinas; outros de índios e outras indumentárias. Mané Marques de árabe, Zé Abdom de Rei Momo, Nego Basto de Jacaré. Tinha muita gente fantasiada. Alguns portavam lança-perfumes, confetes, serpentinas, litros de bebidas e tira-gostos. Batinho (Bofão) e sua turma, não queriam ser identificados e também, outros grupos.

Dr. Eraldo Bulhões era o presidente do clube. Bem organizado, já tinha, na semana anterior contratado pessoas para enfeitar todas as áreas do evento.

O conjunto terminava de afinar os instrumentos. Mané Morais corrigia algumas notas. Chegou o momento e todos entraram procurando suas mesas ou o bar para começar a tomar umas e outras. Foi aí que Lobão recebeu a confirmação de namoro com uma belezoca, através de um bilhete recebido e deixou-se levar pelo entusiasmo, enchendo a cara de mesa em mesa (na surdina), inclusive no Bar de Váu, acompanhado de alguns gatos pingados da turma. Chegou a quebrar um cabo de vassoura sem o dono (Váu) perceber.

Lá para tantas, ele estava dormindo na arquibancada todo vomitado. Não tinha condição alguma de levantar-se. Daí fomos obrigados a leva-lo para casa. Eu, o autor do texto, Tonho Jacaré, Capela, Neto (Do Mato), Paulo Dom, Gilson de Seu Eduardo Rita e Raposo. Tocamos o bebão como se fosse um caixão de defunto. Uns pegados nas pernas, outros pelos braços até sua casa na Rua Nova, nossa área de ação.

Na chegada chamamos por Dona Olívia, sua mãe. Ela ficou aperreada, achando que tinha ocorrido um acidente ou coisa parecida, dizendo: “o que foi o que foi o que foi”? “Nada, respondemos; somente um pouco de bebidas”. “Tá bom. Ponha ele no sofá que amanhã vou acertar os seus pandeiros”. Seu Miron que vinha passando no momento deu até uma mãozinha. Lobão pagou a mesma moeda o que tinha feito com o coitado do Vadinho, também conhecido por Horácio de seu Aleixo, no dia anterior. Bem feito, cachorro.
Maceió, novembro de 2014.

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