BACURAU E O DOMINGO DE CARNAVAL

José de Melo Carvalho

BACURAU E O DOMINGO DE CARNAVAL

José de Melo Carvalho
Membro da Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes.
Acadêmico Correspondente da Academia Maceioense de Letras.

Vejam só! Vadinho, devidamente bêbado e levado para casa nos braços dos componentes do Bacurau, fora entregue em domicílio, para o natural espanto de Dona Maria Aleixo, sua generosa e compreensiva mãe.
Recomposto o bloco, e já contando em suas fileiras com a adesão de mais outros companheiros de molecagem, o Bacurau prosseguiu o itinerário programado para aquele domingo de Carnaval em Santana do Ipanema.
Próximo destino: a subida do Beco de Maria Zuza. Ao lado esquerdo da próxima rua ficava a tenda de trabalho de Juriti, seu humilde estabelecimento comercial de conserto de calçados. A placa na parede, que balançava ao sabor dos ventos e indicava seu pobre ganha-pão, seria a próxima vítima de traquinagem. Lobão, após a segunda tentativa, conseguiu derrubá-la com uma banda de tijolo arremessada à longa distancia. Pela pontaria, que recebeu aplausos da turma, faria jus a medalha em jogos olímpicos.
E o bloco continuou sua caminhada.
Duas idosas senhoras, sentadas em cadeiras na calçada de Onofre Soldado, acompanhavam o passar dos blocos e dos foliões. Satisfeitas, observavam o barulho e nossas brincadeiras. Foi aí que Mané Valter deu um pum bem alto. Chateada, e não esperando essa molecagem de meninos educados, dele reclamou na hora e com razões de sobra: “Respeite os mais velhos, seu moleque!”
Tubo bem. Ou tudo mal...
Daí fomos em direção do bairro da Camoxinga, pois as residências de lá, programadas para nossa visita, já nos esperavam. Um pouco distantes, era verdade, mas valia a pena a caminhada, apesar da bebida que o grupo já havia ingerido.
Passando em frente ao cinema novo, já na descida, Zé Ormindo gritou: “Xica Boa!” Ela, que conhecia o cara de velhos carnavais, respondeu de pronto: “Xica Boa é a b... da sua mãe, seu cachorro nojento.” Tacica embolava de rir naquele momento.
O hino sempre ecoava pelas ruas “bacurau tá no oco do pau”, e assim por diante. Antes da Ponte do Padre, o grupo encontrou um jumento selado, amarrado a um pé de ficus. Jorge, irmão de Neto, soltou-o e deu-lhe uma bruta palmada. O asno saiu em disparada em direção do Panema. O dono do jumento deve ter ficado puto da vida, sem saber a quem atribuir a molecagem.
Mais adiante, Lobinho mexeu com Mão de Onça, chamando-o de Macaco Simão. O pobre-diabo ficou enfezado, claro, mas não se arriscou levar um piau da turma, naquele momento já levada pelo efeito etílico. Após a Ponte do Padre, encontramos Seu Antônio Bulhões preocupado com o desaparecimento do filho Demóstenes, conhecido traquinas daquelas imediações. Procurava-o desde manhã muito cedo. Informamos-lhe: “Não, não, Seu Antônio; seu “bem comportado” filho não está fazendo parte do nosso bloco.”
Gilvan e Bode, ao lado do Jipe do cunhado Artur Alécio, acenavam para o bloco. Estavam doidinhos para participar das brincadeiras. Seus pais, muito católicos, os proibiram, dizendo-lhes que era muito feio e pecado meninos beberem. Zé Alberto (Pinguelê) seu neto, nem olhar. Caso encerrado. Zé Ormindo, mais uma vez imitava, um cachorro doido: ”auuuú, auuuú, auuuù.”
Finalmente, chegamos à casa de Seu Né Ricardo. A Mãe de Zé Reni, Dona Madalena, já havia preparado tudo, inclusive um prato de cágados. Jota e Margarida, alegres, festejavam a nossa chegada. Seu Né, que já nos esperava, dizia, contente: “Que meninos bons.” Alguém pisou num vaso de plantas por acaso (por acaso?). Seu Né adiantou que não tinha problema, isso acontece. Brincamos e bebemos, foi aí que Luiz Cegão, boa praça, se empolgou e resolveu acompanhar-nos. A direção do bloco aceitou-o, sem problema. Zé Reni ficou namorando, mas com muita vontade de nos acompanhar.
Depois de muitos agradecimentos, seguimos para a casa de Seu Domício, pai de Colorau. Lá, Tonho Bié dançava com a irmã de Hely, e outros amigos tomavam “umas” com caldinho de feijão. O bloco, por ser bem organizado, ficou à vontade. Nego Dézio avisou que, depois dali, seríamos recebidos em sua casa. A mãe dele havia deixado uma rabada de porco para o Bacurau. Raposo tinha um namorisco com a filha dele.
Retornamos em direção da Rua São Pedro. O Pera (Carrinho), vestido de índio, procurava o bloco de Nadinho de Regina Cambão. Antes, Paulo Dom avisou à Dona Maroquita que o Padre Cirilo estava esperando as hóstias, fazia muito tempo. Ela ficou preocupada e agradeceu. Raposo discutia com Ademir e Aderval. A direção do bloco, atenta ao “rigor disciplinar”, aplicou-lhe um corretivo. A calma continua e voltou a acontecer, em seguida.
Visitamos mais algumas residências e encerramos o expediente na concentração.
Maceió, outubro de 2014.

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