Somente lendo o prefácio de Ernani Otacílio Mero, intelectual de saudosa memória, oferecido à reedição de História de Alagoas (Edufal, 2015), para saber o leitor quem foi Fernando Henrique Moreno Brandão (1875-1938), alagoano nascido no distrito de Entre Montes (atual Belo Monte), no município de Pão de Açúcar. Historiador, jornalista, orador, polemista, humanista, escritor, professor, filósofo, poeta e político (deputado em duas legislaturas).
Escritor, com certeza, de texto robusto, suntuoso e culto, Moreno Brandão era possuidor de majestosa forma de expressões literárias e de primorosa adjetivação, com que costumava emoldurar sua vasta obra escrita.
À página 271 da obra citada, em que o autor tratava da antiga paisagem e do passado da região alagoana do Baixo São Francisco, encontro a seguinte frase que me inspirou intitular estas notas: “É uma terra que vive como que segregada das grandes agitações do viver contemporâneo, na perene melancolia das taperas, povoadas de fantasmas, onde não há lendas, que, traindo a riqueza da imaginação de seus filhos, poetizem as suas crônicas.”
Por algumas vezes tratei da origem da crônica, gênero literário inventado pelo escritor e filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592), a partir de sua famosa obra chamada ensaio.
Na classificação moderna dos gêneros literários, conforme Afrânio Coutinho, a poesia ocupa o quadro classificatório do chamado gênero lírico. Nesse mesmo quadro classificatório, encontra-se a crônica como gênero ensaístico.
A crônica é minha seara, para contar casos e causos, retalhos de história de minha cidade, recortes do cotidiano, costumes, tradição, o pitoresco e o engraçado. Coisas de cidade interiorana do Brasil afora.
O genial poeta pernambucano Manuel Bandeira, citado pelo cronista Joca de Souza Leão (A Primeira Vez, Cepe Editora, 2019, p. 84), disse: “Como a vida, a crônica é feita de pequenos nadas.”
Esses “pequenos nadas”, como acentua Manuel Bandeira, certamente devem ser, a meu ver, entendidos como pequenas coisas que existem ou acontecem na vida de cada um de nós. Pois, a palavra “nada”, ao contrário, significa “não ser”, “o que não é”, “coisa nenhuma” ou “o que deixou de ser”.
Deixemos de lado, então, esse problema de lógica ou de princípio da contradição para a devida explicação a cargo dos nossos linguistas, etimologistas ou filósofos.
Na verdade, a crônica, como a poesia, pode nascer de uma pequena palavra, de uma frase, de uma letra, como fonte de inspiração, a exemplo de amor, amar, lua, luar, mar, maré, vento, brisa, sonho, paixão, êxtase, angústia, insônia, sorriso, olhar, raiva, emoção, sentimentos, e vai por aí.
Também, pode nascer de frases de imagens das belezas da natureza ou de fatos atmosféricos, como o mar revolto, o farfalhar do coqueiral, abismo de pétalas de rosa, som de cachoeira, furiosa enchente, o crepúsculo vespertino, o espetáculo do amanhecer, o roncar do trovão, o estalido dos raios, chuva no telhado, a tempestade, a noite enluarada, o céu estrelado, a celebração da vida, os encantos da paisagem brasileira, o requebro de mulata, cabelos ao vento, uma nesga de saia, um beijo ardente, e muito mais.
Basta um espasmo, um abismo lírico, um arroubo, para nascer um poema, um soneto ou uma crônica.
Com a poesia, o poeta celebra a vida, enquanto que cronista fotografa o recorte do cotidiano, o fato, o encanto da vida no tempo, poetizando a crônica.
Poetizar a crônica é como enfeitar a mulher “bonita por natureza”, deixando-a cada vez mais sensual, bela e encantadora.
Afinal, poeta e cronista, artistas literários, para eles o cinzel de cada um será, sempre, a pena levada à mão divina e prontamente atenta a estímulos da mente criadora.
Maceió, junho de 2020.
Comentários