JUS SPERNIANDI

Djalma Carvalho

Durante a vida de cada um de nós outros haverá perdas e ganhos, perceptíveis ou não, na vida familiar, profissional, amorosa, intelectual, política, e vai por aí. Feliz será a criatura que terá apenas ganhos, vitórias, como privilégios por Deus a ela reservados.
Perder é não ganhar: em jogo, em disputa qualquer. No futebol, por exemplo, vitorioso será o time que assinalar maior número de gols que seu adversário. Em boxe, ganhador será o lutador que, a princípio, nocautear o adversário, deixando-o fora de combate por alguns segundos. Ou quem melhor pontoar durante a luta. Em disputa eleitoral não será diferente: sairá vencedor, ganhador, o candidato que obtiver a maioria dos votos depositados nas urnas eleitorais.
Quando estudante de Direito, lá para a metade do curso, ao chegar ao período de estudo do Direito Processual, tornou-se corrente em nosso ambiente acadêmico, como gíria ou como dito jocoso, o uso da expressão latinizada jus sperniandi, traduzida como direito de espernear, de reclamar.
Em pesquisa ao site jusbrasil.com.br, “o termo, de uso por vezes criticado, é encontrado rara e indiretamente na jurisprudência do STJ. O falso latinismo alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais”. Em artigo de 1993, Luiz Fux, ministro do STF, escreveu: “... desde a Bíblia se registra a existência de recursos, como cabíveis ao Conselho dos Anciãos de Moisés contra os chefes de cem homens.”
Na verdade, no campo do Direito Processual há disposição legal que garante o direito de recorrer. A partir da apelação, há agravos e embargos diversos, recursos consagrados na Constituição de 1988, interpostos no próprio processo ou levados a tribunal de graduação superior.
Inconformado com o insofismável e limpo resultado das urnas, o candidato perdedor tem à sua disposição, se desejar, o direito de reclamar, o direito de espernear.
Segundo dados oficiais, o candidato a presidente da República, vencedor no primeiro turno desta eleição de 2022, teria atribuído à sua vitória o voto do povo nordestino, povo trabalhador, lutador, conhecido na História do Brasil por seu heroísmo. Povo guerreiro que defendeu heroicamente o território brasileiro, expulsando holandeses e outros invasores que ameaçavam nossa soberania. Povo guerreiro de lutas libertárias, mártires, cujo sangue não foi em vão derramado no chão nordestino. Afora, a luta do homem do campo contra as secas periódicas, inclementes, que secam açudes, riachos, estorricam plantações e matam de sede os bichos de criação, como os de Fabiano de Vidas Secas de Graciliano Ramos.
Afinal, deixando o povo nordestino em paz, respeitando-o ou admirando-o, que sabe decidir sobre seu destino, a cada candidato derrotado nesta eleição de 2022 resta simplesmente socorrer-se do jus sperniandi, para reclamar, para espernear, em vão.

Maceió, outubro de 2022.

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