DO JEGUE AO PAPANGU

Djalma Carvalho

Viajar é prática saudável, sobretudo em excursão de grupo homogêneo, composto de velhos companheiros de trabalho. Nessas viagens, certamente os ex-colegas terão a oportunidade, em clima de confraternização, de reencontrar-se para tratar de relembranças, de boas recordações da vida laboral.
No período de 14 a 16 deste mês de junho, estivemos em Caruaru, progressista cidade do Agreste pernambucano, em excursão organizada pela Associação dos Aposentados do Banco do Brasil em Alagoas – AABBA. Cerca de 120 pessoas em três confortáveis ônibus encarregou-se da festiva viagem à conhecida e proclamada “Capital do Forró”.
Os percalços iniciais havidos entre Maceió e Caruaru atrasaram em mais de duas horas a programada viagem. Da greve geral realizada em todo território nacional constava, entre outras ações, o bloqueio de rodovias efetuado por trabalhadores e por outros segmentos sociais envolvidos no processo reivindicatório ou de protesto.
Não obstante, chegamos à hora do almoço à esplanada do Alto do Mouro, em Caruaru, local onde se serve, tradicionalmente, a saborosa carne de bode. A cerveja, então, rolou à vontade à disposição dos ansiosos turistas. De permeio, uma bicada de aguardente aqui e outra acolá, porque, na verdade, ali “ninguém era de ferro”, como costumam assim dizer os biriteiros.
Denominada de excursão Rala-Bucho, claro que o destino de boa parte do grupo terá sido, logo à noite, a visita ao parque do forró, o coração da festa junina da cidade.
A inspiração do título destas notas teve como origem a visita que fizemos a Bezerros, cidade bem perto de Gravatá e distante 101 quilômetros do Recife, capital de Pernambuco. Pelo seu tradicional carnaval de foliões fantasiados e mascarados, a cidade é conhecida como “Terra do Papangu”.
No dia seguinte, durante a visita ao Centro de Artesanato de Pernambuco em Bezerros, levou muita gente a compras. No mesmo complexo funciona o Espaço Papangu. A exposição de fantasias e máscaras retrata, historicamente, o carnaval e a cultura de Bezerros. O artesanato do estado tem como ícones artísticos J. Borges e Lula Vasconcelos, considerados Patrimônio Vivo de Pernambuco.
À porta do museu, encontram-se duas gigantescas e estilizadas figuras de cangaceiros, motivo de muitas fotos dos turistas. Também ao lado, a gigantesca estátua de um jegue fez-me lembrar o jumentinho de Santana do Ipanema, minha cidade natal. Em 1972, por exemplo, Adeildo Nepomuceno Marques, então prefeito da cidade, ergueu o conhecido monumento em homenagem ao paciente e dócil jegue, pelos seus relevantes serviços prestados à população santanense, quando – até janeiro de 1969 – lá não existia água encanada.
Dizem os historiadores que desde o longínquo ano de 1535 o jumento aportou no Nordeste do Brasil, trazido de Portugal ou da África. Domesticado há uns 6.000 anos, o jerico estendeu-se pelo o mundo afora, melhor adaptando-se a regiões quentes, como a do semiárido nordestino. Nas grandes secas, estradas poeirentas afora, sob sol ardente e fustigado por chicotes, o jumento carregou ancoretas ou latas d’água para aplacar a sede do nordestino.
Até serviu o jegue de mote para enredo de escola de samba no Rio de Janeiro, no carnaval de 1994. Homenageado nas músicas cantadas por Luiz Gonzaga, o jegue foi também lembrado no livro O Jumento, Meu Irmão, de autoria do padre Antônio Vieira, ex-deputado federal pelo Ceará.
Finalmente, na literatura regional ou na leitura de cordéis, todos se lembram do obediente jumento puxado por humildes retirantes fugindo de implacáveis secas, como os Fabianos da vida.

Maceió, junho de 2019.

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