O direito de ter vez e voz ante discriminações

Adriano Nunes



Vi, ontem, os vídeos que circulam, pela internet, sobre o ocorrido (dia 3/janeiro) com uma trans/travesti, no shopping Pátio Maceió. Fiquei abismado e fatalmente triste por diversos motivos. Primeiro, por eu ser um kantiano, defensor in totum das liberdades. Segundo, por ser pesquisador na área de violência contra LGBTQ+. Terceiro, por ser humano, por aceitar igualdades e diferenças, e jamais compactuar com quaisquer tipos de violências e discriminações.

Fatos inafastáveis: os banheiros femininos têm portas. Dificilmente, em banheiros femininos públicos, as mulheres transitam nuas; a alegação de que já "houve casos de estupros por trans/travestis" é tão astuciosamente preconceituosa, forjada para legitimar uma ideia, quanto acreditar que os homens não mijam na rua, em eventos públicos, mostrando o pênis: as estatísticas estão aí! HOMENS, EM QUASE ABSOLUTA MAIORIA, ESTUPRAM MULHERES! O outro argumento: "perguntem às mulheres, se elas aceitam" também é falacioso e cruel: quem tem humanidade e respeita a dignidade do outro aceita. E há ainda A LEI – AMPARADA EM DITAMES CONSTITUCIONAIS - QUE DITA SER A LGBTQFOBIA CRIME. E mais: há diversos Decretos e Leis, em Alagoas, que legitimam a sociabilidade humana das trans/travestis bem como pune a discriminação à livre orientação sexual, como a Lei 4667/97.

Assim, como não ficar indignado com a violência e discriminação cometidas? Como não ficar horrorizado ante o culto ao homem violento que se desenrola durante a retirada da vítima que, duplamente lesada em seu direito existencial de ser como bem quiser ser, vê-se, minutos antes da ação dos seguranças, forçada a denunciar publicamente uma violência discriminatória, chegando ao ponto de exaltar-se, subir numa mesa, para ter vez e voz? Como não repudiar os diversos aplausos ouvidos, compactuando com a ação dos seguranças?

Infelizmente, estamos distantes de pensar o mundo solidário e humano demasiado humano! Estamos mesmo longe de sermos seres racionais capazes de ver naqueles e naquelas diferentes de nós uma humanidade universal que nos dite que cada pessoa é um fim em si mesmo! A cena lembrou-me daquela outra cena funesta e covarde, a de Dandara, no Ceará, sendo humilhada e covardemente agredida e filmada por seus carrascos.

Quando a violência contra o que e quem não somos - o outro e tudo que ele representa - se naturaliza e legitima a serviço de morais moralizadoras, vida e liberdade perdem sentido, são tidas como mercadorias descartáveis.


Adriano Nunes

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