Karl Jaspers em "Die Schuldfrage" diz que "cada ser humano é corresponsável pelo modo como é governado", ao falar da culpa política. Essa constatação de que somos responsáveis, em parte, pelas ações do Estado, isto é, do governo de um Estado, leva-nos a refletir sobre como é importante escolher bem os políticos que nos irão governar (aqui, no sentido político), por diversos motivos.
Um desses motivos é a própria consciência da culpa política que pode advir por ter feito uma péssima escolha representativa. Parece nunca ser fácil escolher politicamente aqueles (as) que nos representarão de forma geral. Primeiro, porque os interesses dos(as) eleitos(as) não se confundem in totum com os dos indivíduos nem mesmo com os das comunidades que, por projeção, se veem representadas.
Há uma crise de representação não apenas por que os políticos decepcionam enquanto entes representativos de uma comunidade, mas porque também se espera, por legitimidade e ingenuidade, por crença na política e na boa vontade, que a representatividade corresponda a nossas expectativas políticas. Como é mesmo praticamente impossível atender tantos anseios morais, éticos, religiosos, partidários, sociais, etc., a política da representação faz-se sob o alicerce da realidade o qual nos aterroriza, sob certa perspectiva, porque, ainda que tenhamos consciência de que a verdade não é uma virtude política (como ensina Hannah Arendt!), buscamos cegamente mergulhar na crença de que o discurso e a práxis dos políticos são uma verdade inconteste e que os "meus escolhidos" serão os melhores escolhidos.
Outro motivo que devemos levar em conta para uma reflexão reflexiva é o fato de que, além da culpa política, podemos, de algum modo, carregar uma culpa ética e moral. A culpa ética e moral tende a ser reconhecida post factum, isto é, depois de que, por erro perceptível na escolha da legitimidade ou evidenciado pelas verdades fatuais, isto é, após reconhecer que as nossas escolhas políticas foram erradas, de algum modo, continuamos a defendê-las, mesmo que se apresentem indefensáveis, porque não nos permitimos refletir sobre equívocos. E pior: não nos desvencilhamos de nossas crenças, esperanças e ideologias! Parece ser preferível afogarmo-nos no desastre, no horror, no caos, do que reconhecer intimamente que cometemos um erro, que nossa Wille zur Macht não só estava enraizada nas nossas decisões como também ela, por ser uma vontade de poder ligada a interesses particulares até profundos e ignotos, ou mesmo obscuros!, mas que nos faz defender violentamente a nossa posição política, ainda que isso conduza à ruína de muitos ou de todos.
Estamos sujeitos ao acaso e a escolher, de algum modo, sem quaisquer certezas absolutas, quais representantes seriam os adequados politicamente e socialmente para governar-nos. Digo "governar-nos" justamente pela corresponsabilidade existir e por darmos legitimidade aos que governam o Estado (in totum), desde as esferas municipais às esferas federais. Todavia, temos ferramentas psíquico-analíticas que podem ser postas a serviço das escolhas (para ver se realmente correspondem à melhor ou à ideal governabilidade) ou mesmo da reanálise dessas escolhas (a autocrítica, a reflexão reflexiva, a consciência da responsabilidade com a dignidade de cada cidadão e cidadã, etc.), ou seja: em caso de arrependimentos. O que não pode deixar de haver é a presença constante da consciência crítica. A crítica deve imperar sobre as nossas vontades ideológicas. Ela nos liberta de maniqueísmos cruéis, de interesses egoístas e mesquinhos, do animalesco e monstruoso que pode surgir de políticas nefastas, como o fascismo, os extremismos totalitários, por exemplo.
A falta de reflexão crítica sobre erros e escolhas políticos faz com que legitimemos não só arbitrariedades e abusos políticos, mas também violências várias e mesmo o horror. Podemos, por silêncio ou ânimo inerte, compactuar com autoritarismos e políticas excludentes e até sanguinárias. Muito já se matou em nome de crenças e em nome de paixões político-partidárias.
A junção de uma culpa política e de uma culpa ética e moral pode engendrar um outro tipo de culpa que parece, de algum modo, demolir-nos da nossa covardia ante os outros: a culpa histórico-existencial. A História sempre marcou aqueles e aquelas que poderiam ter feito algo para preservar a dignidade humana, mas se omitiram ou negaram-se a dar um único passo. A culpa histórico-existencial se confunde, de alguma maneira, com a culpa metafísica, aquela que Jaspers relaciona ao fato de que uma ruptura entre a solidariedade entre as pessoas (enquanto pessoas) poderia levar à injustiça no mundo. Sim, temos, de algum modo, responsabilidades com o que pode acontecer aos outros, justamente por termos poder de escolha, de influenciar nas escolhas, de fazer refletir sobre escolhas políticas.
Adriano Nunes
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