"Justiça Política Parcial, je t'accuse"

Adriano Nunes

A polarização da política não se resume a partidos, sociedade civil, Congresso. O Judiciário está impregnado de ideólogos de ambos os lados, direita e esquerda, e eles não perdem oportunidades para expressarem as suas paixões políticas, as suas crenças. Porque eles têm o poder, o poder de julgar, seja com imparcialidade ou com parcialidade, dissimulada sob argumentações contraditórias e recheada de retórica sofismática. Fazem um mal vasto ao Judiciário, à Justiça e aos (às) que acreditam em julgamentos imparciais, justos, racionais, não maculados por crenças, fanatismos e ideologias.

Hoje, de acordo com as mídias jornalísticas tradicionais, o juiz Itagiba Catta Preta Neto, em sua decisão, do dia 30 de junho, da 4ª Vara da Justiça Federal, fez estranhas e severas críticas à ação que buscava impedir Weintraub de assumir um cargo no Banco Mundial. Ação foi proposta pelo deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). O douto magistrado Itagiba afirmou que o pedido tinha cunho partidário e ideológico e argumentou também que o objetivo era envolver o Poder Judiciário no universo político partidário, já que a ação era baseada em notícias de jornais. Vamos por partes:

A função de um juiz é julgar um ou os pedido(s) de uma ação, não tentar afirmar o caráter político ou ideológico de qualquer ação. Para afirmar categoricamente que uma ação é ideologicamente partidária, tal juízo deveria ser politicamente neutro in totum, o que seria uma impossibilidade ontológica, mas, mesmo assim, se ainda fosse totalmente imparcial, isso seria um absurdo completo em relação a tal questão, pois era como se um partido político ou um ativista, por exemplo, não pudessem entrar judicialmente contra outro partido, pois, se seguirmos os argumentos falhos de Itagiba, tal ação era já comprometida ideologicamente. Um juiz deve é, primeiramente, verificar se os pressupostos e os fatos que engendram a ação estão dentro do que a lei processual determina para a sua aceitabilidade. Jamais opinar sobre conteúdos ideológicos ou tomar ideologias como pretexto para negar ações! Pois se assim age, é como se atuasse como um censor, promovendo censura prévia.

Segundo, o magistrado parece desprezar fatos, verdades fatuais, noticiados pela imprensa tradicional. Desde que se fundou a instituição jurídica no mundo, até mesmo um relato pessoal pode servir de fundamento para uma ação. Há milhares de ações e sentenças que foram baseadas em notícias de jornais, mídias, aplicativos, sites, até em um único relato pessoal, etc. Não é o veículo onde a notícia ou a mensagem são vinculadas que importa a priori, mas a veracidade do fato, a inafastabilidade do acontecimento enquanto historicidade fática que se relaciona objetivamente com o pedido da ação, que, em se tratando de julgar e justiça, precisa ser averiguada ou provada, mas nunca afastada por qualquer tipo de preconceitos, ideologias ou crenças. Ou vontades de poder.

Terceiro, o juiz Itagiba não parece estar muito preocupado com ideologias partidárias e imparcialidade. Segundo notícia de G1/Globo, de 17/03/2016, ele foi aquele juiz que participou de atos contra Dilma e fez postagens em suas redes sociais contra Dilma e Lula. À época, ele disse que "já me manifestei sim [a favor do impeachment da presidente Dilma]. Essa é uma posição de cidadania minha. Eu tenho todo o direito de exercer minha cidadania como todo cidadão brasileiro, mas isso não interfere nas decisões judiciais que eu adoto. Eu decido de acordo com o que está no processo, com os fatos que são comprovados ou pelo menos demonstrados no processo e de acordo com o sistema jurídico brasileiro." Ora, há, aqui, um contrassenso paradoxal.

Mas vou simplificar: se a ideologia for do meu interesse, julgo como quero e isso é imparcialidade. Foi Itagiba, lembro aos leitores e às leitoras, que, mesmo publicamente se manifestando contra Lula e Dilma, suspendeu a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil, no governo de Dilma. Aqui, não se está a dizer que seria certo Lula tomar posse, mas se está a mostrar como pode operar uma ideologia a serviço (ou desserviço?) da Justiça. Esta lembrança nos leva a fazer reflexões sérias, inclusive para pensar mudanças no âmbito dos limites e privilégios de juízes, das suas responsabilidades, do seu real comprometimento com a Justiça enquanto Justiça. O Judiciário, como tudo, não pode se esquivar da crítica, pois se desse modo procede, pesa sobre si sérias suspeitas. Ante estes fatos, lembro-me ainda do brilhante artigo "O moralizador", de Contardo Calligaris. O mundo está cheio de moralizadores e hipócritas que não se suportam e querem, a todo custo, impor a sua moral moralizadora às pessoas. E também de Chesterton, em Orthodoxy, ao constatar que "o homem mais capaz de destruir o lugar que ama é exatamente aquele que o ama por uma razão. O homem que vai melhorar o lugar é aquele que o ama sem uma razão". Talvez, aí esteja um bom princípio. Um modo de julgar, talvez. O πάθος de Δῐ́κης é a cegueira.


Adriano Nunes

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