"A esquerda imprudente e um adendo"

Adriano Nunes

Por que será que boa parte da esquerda não tem um intelectual ou um artista capaz ainda de fazer com que uma massa seja realmente mobilizada, que consiga adeptos como tem conseguido, por exemplo, um demagogo e caricato como Olavo de Carvalho? Por que não consegue, por exemplo, em lives ou vídeos em mídias ter a visualização compulsiva desses caras ideólogos e a legitimidade necessária para vingar como uma oposição não mais desacreditada? Por que sequer se mantém unida e aberta ao diálogo? Os motivos e fatores são vários e eu já lhes expliquei outrora.

A crítica da esquerda ao conservadorismo não é só paupérrima, mas artificiosa e negligente. Não consegue compreender a raiz do irracionalismo. O discurso soa repetitivo e morno. Outro ponto: parte da esquerda é mesmo vingativa e rancorosa. Não admite dissidentes ou pessoas que venham a se arrepender de algo. Ela tem à mão um jeito de escancarar os seus próprios ódios. O caso do youtuber reflete isso. O caso de artistas que votaram e se arrepederam reflete isso, de algum modo. E mais: parte da esquerda se sente detentora de conhecimento. Que conhecimento? Aquele que evita a crítica a seus autores de predileção, sem abertura, a não-leitura de autores liberais e conservadores? O bolsonarismo, como evidenciei, tem vínculo direto com essas questões também. Enquanto essa esquerda quiser monopolizar saberes, práticas e ações, enquanto sonhar com homogeneizações e totalitarismos ideológicos, poderá estar fadada a virar piada política ou partir para, como aprendeu com ela a extrema direita, fazer as suas novas revoluções cruéis, ainda que por via democrática.

O adendo:

A esquerda precisa se repensar. As esferas públicas políticas ganharam novas dimensões com os novos tipos de mídia, aplicativos. E isto não significa apenas fazer reflexões reflexivas ou autoanálises. O problema é mais complexo. A extrema direita não só cresceu por culpa das esquerdas, mas também por culpa das direitas. E, aqui, temos um importante paradoxo. Não bastaria apontar, como se está fazendo, que a política da extrema direita é uma necropolítica ou que é seletiva, discriminatória. É importante fazer isso, mas não apenas. A extrema direita sabe bem disso e por sabê-lo é que o faz. Não há receitas necessárias e infalíveis para o equilíbrio dinâmico em política. Renovação de estratégias e planos parecem, ao longo da história, um instrumento eficaz.

Quando digo que a compreensão do fenômeno perpassa pela raiz do irracionalismo e que a compreensão da esquerda (maioria) é falha em relação ao conservadorismo, quero evidenciar que a política da esquerda vem mergulhando na política do ressentimento e da homogeneização. A frase de Lula sobre o coronavírus evidenciou bastante essa posição, isto é, ideologicamente a necessidade de mais Estado. Quando o NSDAP surgiu na Alemanha, era um partido fraco e sem representação. Todavia, já era antissemita e anticomunista. Muitas pessoas, inicialmente, ficaram horrorizadas com aqueles preconceitos e racismos, mas logo viram crescer nelas oportunidades e vontades de poder defendendo o horror e o inadmissível. Pois bem: o partido nazista aprendeu com a extrema esquerda (os comunistas de lá que admiravam Stalin) como usar a propaganda, as perseguições políticas, o partido único, etc e tal.

Só ingênuos e desconhecedores da realidade política e de como o fascismo opera podem esperar que uma massa emotiva e acrítica deixe subitamente de admirar o que é mesmo uma fé política. Se Bolsonaro e nem Trump mudam os seus fundamentos ideológicos, por que se espera que muitos de seu séquito o façam, se justamente os seguem devido a tais fundamentos? Como salientei, os fatores são muitos. É preciso compreender a fundo a questão do irracionalismo e das religiões políticas. Talvez, voltar no tempo e compreender, por exemplo, a raiz disso em Johann Georg Hamann.

Os ideais da esquerda e da direita moderadas parecem não atender atualmente aos anseios da juventude, e isso foi assim na Itália e na Alemanha. Precisamos ser moderados? Sim! Todavia, isto parece não bastar, neste momento. Dizer isso não é aceitar a violência ou extremismos. Como explicar que um caricato que diz um palavrão a cada sentença consegue manipular tanta gente e ser guru de um governo?

A frase de Lula foi terrível. A direita e a extrema de direita sempre partiram por essas trilhas torpes e por sabê-las é que partem mesmo. Não há similitudes entre Lula e Bolsonaro, nesse sentido. Mas há entre lulistas e bolsonaristas, noutro sentido. O que é mesmo preocupante, de alguma maneira, é a complacência para com o horror, sempre em busca de uma analogia, de uma comparação, de um antípoda para poder poder justificá-la.

Os que compararam imperdoavelmente Lula a Bolsonaro foram os mesmos que aplaudiram os adesivos de Dilma, de pernas abertas, nos carros, são os mesmos que estavam esperando outra derrapada das esquerdas (principalmente de Lula) para terem um fundamento (um alívio?) justificável do absurdo político de terem votado e apoiado um autoritário teocrático, isto é, terem a velha retórica do dito: "mas e...?"



Adriano Nunes

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