O CORRETOR DE DEFUNTOS

Contos

Por Remi Bastos

... Do alto da matriz o sino ensaiava o seu toque melancólico fazendo-se ouvir a distância numa missão evocativa. As ruas desertas, naquele momento compartilhavam com o canto triste do bronze, enquanto o vento das dezesseis horas varria os retalhos de papéis descartados tecendo torvelinhos que se perdiam no caminho. As pessoas em passadas lentas, fragmentadas pela solidariedade, convergiam para um mesmo local, ali onde as lágrimas reverenciavam um sentimento de dor. Antônio Placidônio, um macróbio servidor público aposentado pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais – DNERU havia cerrados os olhos em seu último momento letárgico. Os familiares enlutados reunidos em volta do féretro no centro da sala dividiam a tristeza com todos ali presentes. Salustino Alvorada, um homem bastante conhecido na pequena e pacata cidade de Salunésia no interior de Macapá, foi um dos últimos a chegar à casa do falecido para os acertos finais.

Acontece que às vésperas do imprevisto, Salustino já havia se articulado com a funerária À Caminho do Céu, o Cartório de Seu Jota e a Casa das Flores de José Xogasso, inclusive, contou também com a habilidade do alfaiate Bibi Faro na confecção sob medida do traje da partida, tendo providenciado tudo dentro dos conformes e em tempo hábil. Era esse o ofício do versátil Salustino Alvorada. A cidade por inteira conhecia e aprovava os seus trabalhos diligenciais nada seria resolvido sem a sua intervenção. As despesas o Salustino cobrava posteriormente ao sepultamento do finado, e a depender da condição financeira de cada família tudo era dividido no cheque ou cartão de crédito em até dez vezes, até mesmo o vale refeição era digno de validade.

Os anos foram passando, enquanto a população de Salunésia se revezava entre os nascidos e falecidos, mas, sempre contando com os trabalhos do velho celibatário Salustino.

Certa vez, este esteve enfermo, foi acometido por uma doença rara que o deixou prostrado no leito. A vizinhança o socorreu prestando-lhe a assistência necessária, desde as meizinhas aos medicamentos alopáticos, porém, a melhora era lenta, Salustino estava prestes a passar o cajado adiante. No entanto, não conseguiu deixar nenhum herdeiro que pudesse dar continuidade aquele trabalho de cunho administrativo que havia desempenhado durante muitos anos sem o ter revelado a ninguém. Salustino estava à beira do abismo que tantas vezes desenhou, Dr. Ivanildo Pontelho o médico da comunidade que prestara assistência já havia esgotado todas as suas receitas, o caso agora competia ao vigário da Paróquia Zenaldo Franco que lhe ministrou a extrema-unção. Todavia, antes de fechar os olhos e calar a voz pela última vez, o vigário segredou baixinho no ouvido do enfermo dizendo assim: “meu filho eu preciso preencher os seus dados pessoais, me diga qual o nome da sua profissão. E Salustino balbuciando disse: “padre eu sou Corretor de Defuntos”, e partiu com o silêncio deixando como único herdeiro, a saudade.

Aracaju/SE, 29/10/2013.

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