LEMBRANÇAS DA CASA VELHA

Marcas do Passado

Remi Bastos

As nuvens passam como folhas secas que se desprendem das copas dos juazeiros e são levadas pelo vento carregando consigo momentos vividos. Hoje me desfiz da vaidade e parei por um instante para observar as nuvens que deslizavam lentamente sob o céu dos meus pensamentos expondo a sua brancura à distância dos meus olhos. Retornei a casa velha pela estrada empoeirada na subida da Baixinha entremeada por cercas de aveloz, ali, avizinhada por um cercado florido pelas catingueiras e marmeleiros em toda a sua extensão. À sua direita um curral em ruínas ainda conservava em seu domínio resquícios de excrementos bovinos; um chocalho enferrujado, colado ao mourão destruído pelos cupins ainda exalava a lembrança dos mugidos das vacas e das ordenhas realizadas pelo caboclo Durval. Algumas pinheiras às margens do redil em frente à estrada principal exibiam seus galhos ressequidos, já não tinham energias para abrir suas flores e receber o ósculo das abelhas, somente os sinais da presença de insetos e fungos fitófagos eram visíveis nos frutos enegrecidos. Todos esses encantos nostálgicos e melancólicos revelavam os colares da casa velha de alvenaria com sua cor amarelo-clara bastante desbotada pelo tempo.
O seu acesso se dava por um portão de madeira de duas folhas, desajustadas e equilibradas por um ferrolho louco conjugado a um muro baixo e sem muita aparência. Logo a seguir um extenso terreno representava o jardim contendo no seu interior apenas alguns pés de cróton, manjericão e comigo- -ninguém - pode cercados por pequenas rochas. A entrada à sala de visitas se completava por intermédio de quatro degraus de tijolos onde existia um pequeno centro de madeira envernizado contendo algumas revistas de O Cruzeiro, quatro cadeiras com acento de couro e um porta-chapéus com vistas para as duas janelas. Mais adiante existia um corredor estreito que limitava o acesso aos quartos de Dona Solidade e Benedito e de suas três irmãs moças por parte de pai, Assunção, Julieta e Marieta. Anexo ao quarto das meninas se situava a sala de jantar através da qual se conectava por uma porta estreita a um depósito onde existiam dois grandes vasos de zinco para estocar feijão e farinha. Eu soube que o depósito teria sido uma casa de parede e meia onde morou e faleceu o avô de Benedito e pai de Seu Antônio. O outro lado da sala de jantar era assediado por apenas um petisqueiro e uma porta com batente de onde se avistava um velho limoeiro. O último compartimento era a cozinha enfeitada por uma mesa comprida com dois bancos de pela porco, um fogão à lenha e um pote com água situado em um dos cantos tendo na parte superior um porta copos fincado na parede. A porta da cozinha possuía dois estágios independentes, um inferior que seria a porta propriamente dita e um superior que operava como janela. Daí se tinha uma visão melhor do cercado com a exuberância das catingueiras estalando suas vagens numa forma natural de perpetuar a espécie. Pelo lado direito da cozinha já no quintal existia uma grande cisterna coletora de águas das chuvas, era a salvação de todos na época das secas.
Zé Carvalho e seus irmãos Aderval e Ademir sob as ordens de Dona Lila e Seu Manezinho Carvalho vez por outra buscavam água na cisterna de Seu Antonio Vicente em um carrinho-de-mão.
Seu Antônio Vicente era proprietário de maior parte das terras que existiam nos limites de Santana com o São Vicente, vivia o seu segundo casamento com Dona Solidade, progenitores de Benedito Abreu Soares onde viviam sob o mesmo teto na companhia das três lindas moças filhas mais novas do seu primeiro casamento. Foi neste mundo maravilhoso que desfrutei os momentos mais felizes da minha adolescência. Cresci ouvindo o canto das rolinhas, do bem-te-vi, dos nhambus e das cordonizes no cercado. Atirei pedras com a minha peteca (baleadeira) nos pássaros indefesos e corri atrás do preá nos labirintos; pisei nas areias escaldantes da minha terra e adormeci sob o véu crepuscular ouvindo o canto das andorinhas procurando abrigo no velho grupo escolar. Sempre que vou a Santana procuro fazer uma visita àquela rua que foi um dos palcos da minha adolescência e que atualmente ostenta o nome de Clemência Pereira Queiroz, ali onde sou tomado pelas lágrimas da saudade. Um vazio toma conta de mim, já não existe mais a casa velha, apenas o terreno baldio foi o que restou daquilo que teria sido um conto de fada. Fecho os olhos por um momento e tento buscar nas minhas recordações as Lembranças da Casa Velha.

Aracaju, 29/09/2011

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