A DOR QUE NÃO PASSA

Crônicas

Silvio Nascimento Mélo

O corpo. A criança estava inerte na pedra. Fria pedra. A sala pequena com poucos móveis e equipamentos. Fria sala. O Auxiliar de Enfermagem tinha concluído alguns minutos antes da minha chegada, a preparação do pequenino corpo para que a família pudesse realizar o enterro. Ele estava preste a completar os nove meses de uma convivência de paz e conforto, em um útero aconchegante, intimamente e umbilicalmente ligado àquela que, entre todas as pessoas que iria conhecer, seria a mais amorosa, a mais cuidadosa, a que trocaria a própria vida...
O médico. O profissional, um dos mais antigos e mais conceituados legistas do País, de poucas palavras, sai da sala e encaminha-se para o pequeno pátio onde, normalmente, os parentes aguardam o término dos trabalhos de exame do corpo e causa mortis. Durante algum tempo permanece calado, observando o pai de olhar distante, triste, um pouco perdido, fumar incansavelmente. Diz rápidas palavras de conforto, confirma o motivo do óbito e dá outra sentença: “Se você soubesse o que o fumo causa”.
A família e os amigos. O que devemos ou podemos dizer a um pai ou a uma mãe que, bruscamente, “de repente, não mais que de repente”, perde um filho trucidado, acidentado, assassinado ou morto naturalmente, ou ainda, que não conseguiu nascer? Um abraço apertado, algumas palavras de conforto, lágrimas contidas?
A cerimônia. O campo de flores e a capela. Rápidos telefonemas e logo, o círculo mais próximo e íntimo dos pais, familiares, amigos e companheiros de trabalho forma um grupo silencioso e solidário que canta, mansamente, músicas sacras enquanto o diácono faz algumas orações.
O cortejo. Final da tarde. O vento sopra um pouco mais forte no campo aberto. Lentamente, todos caminham acompanhando os pais.
O pai. À frente, o pai leva o pequenino “caixão de anjo”, como ouvi diversas vezes, garoto, em pé, em frente ao armarinho “A Triunfante”, dia de sábado, dia de feira, o povo comentar quando um pequeno cortejo saía da Matriz de Senhora Sant’Ana direto para o cemitério Santa Sofia: “É um caixão de anjo”. Ele caminha abraçando o pequeno caixão até o local escolhido como a última morada do seu filho.
A mãe. Vendo a mãe, junto com a avó, irmãs, tias e amigas, inconsolável jovem do primeiro rebento, não consigo imaginar o que se passa em seus pensamentos. Um choro e um ar de tristeza, angústia e melancolia. Incrédula?
A tristeza, jovem tristeza do casal, foi sendo superada, pouco a pouco, com o carinho e apoio da família e amigos. E com o anúncio de uma nova gravidez. Toda criança é luz e alegria (“Sempre ouvi: Fulana deu a luz”).
A criança, linda morena, menina cor de canela, não teve o privilégio de conhecer o irmãozinho que, com certeza, estava observando quando da sua cuidadosa chegada e está sempre velando o seu sono (É dorminhoca!) como seu “anjo da guarda”. Apenas foi um desencontro agora para um encontro futuro. Eu acredito em “anjo da guarda”!
O tempo, sempre o tempo. E a sabedoria d’Ele. A dor que não passa. A dor não passa. Ela vai se acomodando, acomodando...

Em Maceió, 30.06.2006

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