O CASARÃO DA PRAÇA SENADOR ENÉAS ARAÚJO

Pe. José Neto de França

Dia 06 de novembro de 2023, passava das 9h quando, descendo a Av Dr Arsênio Moreira, em Santana do Ipanema, e me aproximando da Praça Senador Enéas Araújo, chamou-me a atenção, como de costume um dos prédios mais antigos, “ainda de pé”, na histórica cidade. Já tinha percebido, semanas antes que uma belíssima estátua de porcelana, da “deusa” Minerva, importada da França, presente de Delmiro Gouveia, que havia em seu frontispício fora tirada após a venda do imóvel e encontrava-se na residência de um dos herdeiros de seu Benedito Nepomuceno (in memoriam) e dona Virgínia (in memoriam). Peça que dizem ter 130 anos. Soube, também que o prédio tinha sido vendido para alguém de Santana do Ipanema.

Enquanto dava passos para fazer o contorno da praça, para ir até a Loja Roupa Nova, de minha amiga, necessariamente iria passar à frente desse imóvel, belíssimo patrimônio histórico, construído no final do século XIX, onde serviu de residência e ponto comercial, por primeiro, para a família do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha.

Esse prédio passou a fazer parte de meu universo cultural a partir de minha infância nos idos da segunda metade da década de 60 do século passado, quando ele já pertencia a família de seu Benedito Nepomuceno e dona Virgínia.

Descendo e contornando a praça e seguindo em direção a loja de minha amiga, meu coração bateu mais forte, pois, de longe, eu já tinha observado que a porta da parte comercial do prédio estava aberta.

Apressei os passos, meu coração parecia querer sair pela boca... Cheguei! Não tinha como não parar. Parei, olhei para dentro! Ele estava sendo – não sei se reformado ou restaurado. Não tive nem coragem de perguntar, já que não é práxis a conservação do patrimônio histórico em Santana do Ipanema. Seu péssimo estado de conservação não impediu de eu trazer a memória aquilo que fez parte de meu passado...

Vi-me criança, entrando na loja, hora com meu pai, hora com minha mãe para comprar tecidos para confecção de roupas para a família inteira. Naquela época não era comum adquirir roupas prontas. Minha mãe era quem confeccionava roupas para a família. Lembrei-me até da fisionomia de ambos os proprietários que cordialmente nos recebia com o seu “- Bom dia seu Alonso, bom dia dona Lila... o que vão escolher hoje?”. E começavam e desenrolar aquelas peças inteiras de tecidos das mais variadas e cores possíveis. Como bom observador, olhava tudo: tecidos, chapéus, guarda-chuvas, sombrinhas...

Recordei-me de quando eu era pré-adolescente e trabalhei no bar de seu Antônio Pacífico e, nos momentos que faltava algum produto no bar e ele mandava eu pegar no bar de seu irmão, seu Sebastião Pacífico, que ficava um pouco após esse prédio, eu passava bem devagar à frente dele, justamente para apreciar a beleza da loja. Seu Benedito e dona Virgínia eram bem zelosos na arrumação dela.

Veio-me a memória uma arte que fiz, ainda na pré-adolescência. Acho que tinha entre doze e treze anos. Como eu amava a leitura, lendo um livro de bolso, cujo gênero da história era guerra, fiquei “intrigado” como os militares enxergavam o que se passava na superfície do mar, se eles estavam submersos. Naquele tempo, não era fácil achar material de pesquisa. Isso não saiu de meu pensamento. Semanas depois, o Cine Alvorada – cinema da cidade – anunciou a exibição de um filme desse mesmo gênero. Pensei: é minha oportunidade de ver se vai ter alguma cena sobre submarino. Juntei dinheiro para o ingresso e no dia, estava lá. O filme tinha censura: 16 anos e eu tinha entre doze e treze anos, mas tinha meus métodos para burlar a atenção de seu Costinha que era uma espécie de “juiz de menor” e ficava na portaria. Entrei, assisti e foquei no que queria: descobrir o tal submarino e o tal visor, parte do periscópio. Depois desse dia, a curiosidade aumentou e eu comecei a dar uma olhada nos livros de ciências da Biblioteca Municipal, até descobrir um que mostrava, de forma bem simplificada, claro, o porquê de ver através daquela engrenagem. Em síntese. Resolvi que eu iria “fabricar” um periscópio. Para isso, iria precisar de dois espelhos, cola, papelão e um tubo longo com o mesmo diâmetro, de um lado a outro. Não foi difícil de conseguir os dois espelhos. Um eu já tinha – naquele tempo, era “chique” todo adolescente, rapaz portar um espelho no bolso – o outro comprei de um amigo. Papelão e cola, já tinha do material escolar. Aqui é que entrou a loja de seu Benedito e dona Virgínia. Eu pedi a eles um daqueles tubos nos quais as peças de tecidos ficavam enroladas. Eles me deram. Pronto! Eu “fabriquei” o meu periscópio. Agora só faltava testá-lo, mas onde? No rio Ipanema não daria, pois, tirando os espelhos, tudo era papelão. Resolvi! Iria “espionar” a casa do vizinho. Na primeira tentativa foi por cima do muro – quintal. Funcionou top, mas não vi nada que me interessasse. Resolvi, então, ver por cima da parede – única – que dividia as duas casas. Comecei pela cozinha, e observei a mãe de meus amigos nos seus afazeres domésticos... Estava tão eufórico que não percebi minha mãe aproximando-se. O resultado é que pelo susto que tomei ela percebeu que eu estava fazendo algo errado. Ao se dar conta do que era, tomou meu periscópio e me deu umas “periscopada” com ele, e de forma silábica: “Eu - já - não - te - dis - se - que - eu - não - que - ro - vo - cê - fa -zen - do - ar - te?”. Depois das dezoito “periscopada” – as últimas mais devagar – mãe é mãe – destruiu meu “brinquedo”. Esse susto e as pancadas, fez-me desistir dessa ideia. Agora o foco era descobrir o que era “arte”... Pesquisando, aprendi os vários significados de arte, inclusive o de que “arte” significa, também, agir de forma errada...

Lembrei-me, ainda, de quando estudei o 7º e 8° Ano do primeiro Grau – hoje 8º e 9º Ano do Ensino Fundamental – com as irmãs Luciene e Lucélia, filhas de seu Benedito Nepomuceno e dona Virgínia. Jovens dinâmicas, inteligentes que, comigo e outros alunos, fizeram parte do grupo que marcou nossa turma. Concluído o período, eu fui residir em São Paulo e perdi o contato com elas e com seus pais.

Tempos depois, já sacerdote, tive contato com alguns filhos de seu Benedito e dona Virgínia: Luciano Gaia (in memoriam), Afonso, entre outros.

“Voltando do passado”, segui adiante e fui à loja de minha amiga, bem próximo dali...

Enigmas da vida!

[Pe. José Neto de França – Sacerdote, Nutricionista – CRN/AL nº 43951/P, Escritor e Influenciador Digital]

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