DIÁLOGOS I - VOVÔ FRANÇA E EU

Pe. José Neto de França

No início da manhã de segunda-feira, 15 de maio de 2023, ao viajar à Santana do Ipanema objetivando resolver algumas questões pessoais, sendo o meu dia de folga, iria aproveitar para fazer uma visita a uns parentes no Sítio Serrote dos Franças.

Fui a uma clínica para a aplicação de ozônio auricular e tomar uma “testo” intramuscular (reposição necessária); fiz umas compras em uma loja de informática, visitei cordialmente uma grande amiga, em sua loja de roupas e, finalmente, fui à casa de minha mãe para o almoço. Imagina que mamãe já faleceu, mas nunca deixei de dizer “a casa de minha mãe”, tanto porque, minhas irmãs, meus irmãos e eu decidimos manter a casa do jeito que era antes.

Enquanto almoçava e pensava na visita que ia fazer aos meus parentes, veio junto com o pensamento a possibilidade de ir à casa do meu avô paterno que fica no Serrote dos Bois, a alguns quilômetros do Serrote dos Franças. Esse segundo pensamento acabou superando o primeiro. Agora não era mais uma possibilidade, mas como que uma obrigatoriedade.

Assim que acabei de almoçar, segui viagem ao Serrote dos Franças. No trajeto de 18Km, meu pensamento insistia que eu não deixasse de ir também a casa do meu avô paterno. Nem as músicas que gosto e ouvia pelo som do automóvel desviou essa ideia.

Já na casa de meus parentes, conversando com meu afilhado Romeu, perguntei se ele sabia se um de meus primos, filho do meu tio que ficou com a casa depois do óbito de meu avo em 1972, estaria por lá. Ele telefonou para esse primo, mas ele estava em Santana.

Depois de degustar um cafezinho – meu vício –, convidei meu afilhado para fazermos uma visita a tal casa. Saímos...

Enquanto viajávamos – o percurso da casa de Romeu até a casa de meu avô é de aproximadamente 6Km – meu coração palpitava motivado por uma ansiedade em chegar a contemplar aquele “templo familiar”, casarão construído no Século passado, entre 1924 e 1925 pelo meu próprio avô e seus filhos, entre eles meu pai. A casa original era toda de taipa (varas entrelaçadas cobertas com barro). Porém, com o tempo, meus primos fizeram algumas modificações, como por exemplo um “puxadinho” de tijolos e “encimentou” o piso do alpendre. A flora em volta não é mais a mesma. A exceção foi os dois trapiazeiros que resistiram as intempéries do tempo até hoje. Apesar das mudanças, minha imaginação alicerçada com as lembranças passadas a enxerga tal qual via quando era criança, na década de 60 do século passado. Aquele simples banquinho comprido próximo à porta de entrada, no alpendre é especial para mim.

Chegamos! Desci do carro, dirigi-me a uma “porteira” de arame e estaca e quando comecei a abri-la para a passagem de meu afilhado e eu, fui tocado de uma emoção muito forte. Olhei para o banquinho e ele estava lá, sentado. Quem? Ora, meu avô.

Ao ver-me, como ele sempre fazia no passado, levantou-se, ficou de pé. Estava com seu chapéu e com sua bengala rustica dos quais nunca se separava.

Com passos lentos, e trêmulos, não de medo, mas de emoção, aproximei-me. E ele lá, impecável.

Subi os degraus do alpendre, parei diante dele e, beijando suas mãos, disse:

- Bênção vovô França!

Ele fitou meus olhos e disse-me:

- Deus lhe abençoe, meu netinho. Você cresceu, mas ainda é meu netinho.

Vovô voltou a sentar no banquinho e pediu que eu me sentasse ao seu lado.

Falei:

- Pena que a porta está fechada!

Vovô olhou para mim, esboçou um leve sorriso e falou:

O que importa para nós! Fechado ou aberto não faz diferença. Tanto você quanto eu sabemos onde fica todos os cômodos dessa casa. Quanto ao que há dentro dela, é apenas matéria... nada mais que matéria...

Não tive como discordar do que acabara de ouvir. Disse-lhe!

- Vovô! Nunca esqueci do senhor! Recordo-me sempre de sua fisionomia, sua forma educada de receber as pessoas, apesar de ter visto o senhor sorrindo pouco. Lembro-me das visitas que lhe fiz, sempre acompanhado por meus pais...

Nesse momento minha voz embargou um pouco... Ele passou sua mão em minha cabeça, sorriu e falou:

- Eles estão bem. Não se preocupe. Eles oram por você, seus irmãos e irmãs... lembra-se de quando você “sonhou”, poucos dias da passagem de sua mãe, com a festa que estava sendo preparada para a chegada de sua mãe? Ela foi muito bem acolhida...

Tomei a palavra e disse:

Desculpe-me! Sabendo o passado de cada um deles, independentemente dos defeitos vivido temporalmente, seus acertos foram maiores, sempre tive a certeza de que eles estão bem. Agora com as palavras do senhor, tenho mais ainda. Penso bastante neles. Continuo amando cada um deles ainda mais.

Enquanto falava, vovô, com aquele olhar enigmático que lhe foi característico em sua linha do tempo, observava-me.

Continuei:

- É certo que tive um razoável número de visões significativas e sonhos realistas com papai. Já com mamãe, desde seu óbito apenas uma vez. Também faz pouco tempo de sua passagem...

Ele me interrompeu e disse:

- Meu netinho, tudo tem seu tempo. Ninguém segura, atrasa ou adianta esse tempo. Não queira forçar o que quer que seja. O que tiver de ser será. O que passou não tem mais importância. Importa para você e meus outros netos e netas o hoje. Do hoje vai depender o amanhã.

Disse-lhe:

- Sei disso vovô França, embora as vezes me sinta fraco.

Ele me interrompeu de novo e falou:

- Não se esqueça de que você ainda está nesse mundo material... Não se esqueça também da misericórdia de Deus. Haja sempre por amor e nunca se arrependerá!

- Tá certo, vovô França.

E continuei...

- Recordo-me do período de sua enfermidade, de quanto sofreste, dos seus gemidos de dor que ouvíamos de longe, do sofrimento de seus filhos, meu pai meus tios, do esforço que eles fizeram na tentativa de curá-lo ou pelo menos diminuir suas dores, e recordo-me, também, do dia que o senhor fez sua passagem. Na época eu era um pré-adolescente! Infelizmente não me fiz presente.

Mais uma vez ele sorriu e disse:

- O que é o sofrimento do mundo diante do sofrimento de Cristo na cruz! O que é o sofrimento temporal diante da alegria da vida eterna!

Impressionei-me diante da firmeza com que vovô falava!

Outra vez vovô França fez uma referência a mim no tempo presente:

- Meu netinho, toque sua vida para frente. Você tem muito a fazer até o dia de sua passagem. Você foi escolhido para uma missão especial. Não desperdice a oportunidade que lhe foi dada.

Respondi:

- Obrigado vovô França. Peça a Deus por meus irmãos, minhas irmãs e por mim. Peça para papai, mamãe e meus outros familiares orarem também...

Nisso, uma lágrima desceu sobre minha face. Vovô passou novamente sua mão sobre minha cabeça. A sensação do contato de sua mão foi sumindo...

Ouvi meu afilhado dizendo:

- Padrinho! Vai abrir ou não a porteira?

Foi, então, que eu me dei conta de que esse encontro com meu avô foi apenas na minha fértil imaginação...

Abri a porteira, fui até o alpendre, tirei algumas fotos, retornei ao Serrote dos Franças para deixar meu afilhado, tomei outro cafezinho e retornei a Santana...

Enigmas da vida!

[Pe. José Neto de França]

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