A VULNERABILIDADE DA VIDA TEMPORAL E SEUS ENIGMAS

Pe. José Neto de França

Desde o dia que me dei conta de que sou um ser humano, até o momento presente, tenho vivido no limiar do ganhar e do perder em tudo que diga respeito a vida temporal. De uma forma toda especial às pessoas que Deus colocou em meu caminho.

Chamo atenção para três pessoas que marcaram mais profundamente a minha vida. Essas marcas foram intensas, devido à proximidade da amizade, confiabilidade, cumplicidade e afinidade que existia entre nós, além dos nossos últimos diálogos que reproduzo aqui.

1 – Rodolfo Soares Araújo (+01/04/2020)

Nos dias 07 e 08 de março, desse ano de 2020. Foi assim:

Era 22h29, do dia 07/03, disse-lhe:

- Boa noite, meu amigo...

Às 23h12, ele respondeu:

- Boa noite, padre. Como o senhor está?

Às 23h21, respondi:

- Na luta. E você?

No dia 08/03, às 00h03, em referência a minha resposta, “na luta”, Rodolfo respondeu:

- O famoso #euquelute
Depois, às 00h04, disse-me:

- Estou preparando meu espírito para descansar por algumas horas porque amanhã tenho plantão das 7 horas. Ainda bem que Deus tudo vê e pode. Quando o senhor vem a Maceió?

Como acabei cochilando e dormindo, devido a hora, respondi somente às 06h20:

- Sábado, para aula na UNINASSAU...
Às 14h29, ele perguntou:

- Tem tempo livre para tomarmos um café?

Nem precisei responder. Pela nossa afinidade e forma de conversar, ele sabia que eu indo à aula no sábado seguinte, com certeza telefonaria para ele e marcávamos esse encontro.

Acontece que foi quando, por causa da pandemia do “coronavírus” que na época assolava o mundo inteiro e, claro, o Brasil, o governo estadual baixou um decreto, obrigando as escolas a cancelarem as aulas presenciais. Soube depois, pelo seu pai que, mesmo que eu tivesse ido, não teria sido possível ter me encontrado com ele, pois teve plantão. Ele já estava no último ano de Medicina.

Na terça-feira, 01 de abril, meu amigo, do nada, amanheceu em coma, foi parar na UTI do HGE, vindo a óbito às 15h.

Em conversa com seus pais, falei sobre nosso último contato – via Whatzapp e eles confirmaram que Rodolfo havia comentado com eles sobre o cafezinho que ele queria tomar comigo. Infelizmente, esse cafezinho foi adiado, para “tomarmos”, um dia, na eternidade...

Além do café, de uns dois anos até nosso último diálogo, entre várias conversas, planejávamos nos encontrar, pois ele tinha algo a me falar. Foi mais uma lacuna que não pode ser preenchida no tempo/espaço. Enigmas da vida!

Esse rompimento, temporalmente imprevisto, entre ele e eu, motivou-me a escrever um livro sobre nossa amizade. Foi minha sétima obra que teve como título: “Uma amizade que se prolonga para a eternidade”.

2 – Maria Lila França – minha mãe (+08/09/2023)

De todos meus familiares – sem desmerecer os outros, inclusive meu pai – foi quem eu mais amei! Vamos ao diálogo...

Quase no final do declinar de mamãe, ela começou a alternar lucidez com momentos de esquecimento, confusão mental. Desconhecia pessoas, trocava o nome de algumas, pedia a nós, filhos(as), que a “levássemos para casa”.

A última vez que a visitei, dois dias antes de seu óbito, ela ao ver-me, olhou-me nos olhos, abriu os seus braços e falou:

– Zé Neto, me leve pra casa!

Foi um dos momentos que mais me emocionei – sentimento de dor, medo de perdê-la, angústia, tristeza, incapacidade de ajudá-la como gostaria... Estraçalhado, chorando por dentro, mas sem deixar que ela percebesse, disse-lhe:

– Mamãe, a senhora já está em casa. Veja seus familiares que estão aqui, a porta de seu quarto, a televisão, os móveis...

Veio-me ao pensamento a cena de quando ela estava na Santa Casa há cinco anos, quando fui visitá-la e, também, com o mesmo olhar e de braços abertos até onde foi possível, pois estavam com os pulsos atados à cama do hospital, pediu-me:

– Zé Neto, peça para me desamarrarem!

Constatei depois, que foi necessária atar as mãos delas à cama, porque ela estava muito inquieta, a ponto de ter tirado a sonda de alimentação e o cateter intravenoso.

E, ainda à mesa durante uma refeição no auge de sua recusa a alimentar-se, já no seu declinar da vida, quando na angústia de vê-la recusando o alimento que poderia prolongar seus dias e o esforço que minha irmã Salete fazia para convencê-la a aceitar o alimento, tive que ser um pouco duro no falar com ela, na tentativa de fazê-la se alimentar. Ela olhando triste para mim, disse:

– Meu filho, tenha paciência comigo!

Infelizmente minha mãe morreu no final da manhã de 08 de setembro de 2023. Coube a mim providenciar todo funeral. Jamais tinha imaginado que seria eu a sepultá-la!

Como “terapia”, escrevi um livro que ainda será publicado: “MEUS PAIS E EU: Sagas, Vínculos e Rupturas Existenciais e Sobrenaturais”.

3 – Dr. Adams Macedo Alves (+madrugada de 18 para 19/12/2023)

Conheci o Dr Adams após o acidente de seu filho Kauê no mês de março de 2018. Poucos dias depois, fiz-lhe uma visita. Nunca o tinha visto antes, mas quando o vi, foi como se já o conhecesse a muito tempo.

A partir da primeira visita, todos os dias ele enviava uma mensagem de autoajuda, pelo Whatzapp e eu respondia com outra mensagem.

Nossa amizade chegou a tal ponto que quando estava para acontecer algo com ele ou comigo, um e outro tinha algum sinal. Sempre que um de nós ia viajar pedia que o outro rezasse.

Tínhamos muitos pontos em comum: querer o bem para os outros, independentemente de quem fosse, prática do amor-caridade, perdoar, respeitar... Além de um dom todo especial que recebemos de Deus: uma paranormalidade de altíssimo grau. Desde então, minhas visitas à sua família foram frequentes.

Quando ele ou eu tínhamos alguma experiência paranormal, trabalhávamos em comum para decifrá-la. Foram inúmeras as vezes que ao acordar de manhã, tinha uma mensagem dele dizendo: “Padre, o senhor está bem? Aconteceu alguma coisa com o senhor?” Isso acontecia quando ele tinha uma dessas experiencias paranormais muito forte. Também eu procedia da mesma forma.

Antes do nosso último contato, estávamos decifrando duas experiências que tive. Foi assim:

A primeira aconteceu aos 23 de agosto de 2022.

Vi-me em uma casa, estilo da sede de uma fazenda.

Pessoas iam e vinham, ao mesmo tempo em que traziam comida para colocar sob a mesa principal, cumprimentavam-se, se confraternizavam... A alegria que parecia não ter fim dominava o semblante e a forma de agir de cada participante.

Ali, não havia falas referentes a perdas, danos, privações, dores, sofrimentos, angústias, trevas etc. Só de vida, alegria, partilha, luz...

Percebi que a minha presença, apesar de destoar das dos demais convivas desse almoço/confraternização, tornou ainda mais intensa a atenção entre eles e deles em mim.

Pareceu-me ser, mas sem ser, o centro das atenções. Talvez pelo fato do “algo diferente” que eu estava vivenciando. Observando, mais atentamente, a atitude de cada um, senti, também, que eles queriam transmitir a mim algo que ainda não estava compreendendo.

Em um dado momento, entendi que eles esperavam por alguém que não chegou. Talvez fosse isso que eles quisessem que eu percebesse: “alguém” que estava prestes a chegar, pelo menos enquanto estive ali. Mesmo assim, o êxtase no semblante de todos, inclusive no meu, era máximo!

Sexagenário como sou, jamais participei de um momento festivo como esse.

De repente, “alguém” sem “avisar”, “avisou” que o almoço foi servido!

Foi o ápice da festa, não pelo banquete, este era somente um detalhe, mas pelo amor vivido e transmitido entre todos os participantes, inclusive eu!

Foi quando caí em mim em relação aos integrantes do banquete! Todos eram familiares meus que já estão no coração de Deus! Alguns amigos e amigas, também já no eterno.

Logicamente que eu sabia diferenciá-los quanto às categorias temporais (pai, avós, tios, tias, primos, primas, sobrinhos, amigos etc.), embora, nesse banquete isso não fazia diferença nenhuma, pois o liame reinante não era a carne e o sangue, mas era o amor.

Não me assustei! Aumentou ainda mais minha felicidade, se é que pudesse aumentar mais do que já estava.
Repentinamente, dei-me conta de que estava apenas em mais um dos “sonhos” realistas entres tantos que já tive ao longo de minha vida! Nesse dar-me conta, acordei inundado de uma paz jamais sentida! Faltavam poucos minutos para as 7h.
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A segunda foi no amanhecer de 6 de setembro de 2022.

Essa experiência aconteceu em forma de sonho realista!

“Vi-me” no quarto de uma casa, como se estivesse me preparando para dormir. Não sei por que razão, fui até a cozinha. Ao me aproximar desse cômodo da casa, notei que a luz estava acesa. Então questionei-me: – Eu não a tinha apagado?

Chegando à cozinha vi um vulto (formato de uma pessoa) parecendo que iria abrir a torneira (ou estava abrindo). Esse vulto não tinha nenhum traço físico. Voltei correndo para o quarto. Ao passar pela sala, vi que uma janela tipo basculante que “eu tinha fechado”, também, estava aberta.

Nisso, vi como se uma pessoa passasse rapidamente à frente dela, no mesmo sentido que eu, só que eu no interior da casa e ela do lado de fora (rua???).

Fechei a janela novamente e, ao me afastar, ela se abriu “sozinha” e o mesmo vulto passou à sua frente. Pareceu ser de um homem! O medo aumentou! Na sequência aconteceram outros eventos que não me recordo.

“Vi-me” agora em um ambiente confuso. Pareceu ser uma igreja. Havia, comigo, três ou quatro pessoas. Recordo-me perfeitamente de apenas uma, Célio da comunidade de Jaramataia.

Percebi, também, uma quinta “presença”! Digo “presença”, pois em nenhum momento assumiu traços físicos humanos (mas pareceu ser do sexo masculino). Hora era um vulto quase imperceptível, hora sumia totalmente.

Dessa presença irradiava uma força, uma energia extremamente negativa.

Essa “presença” parecia querer dominar alguém, que, a princípio, não era eu, embora vez ou outra ela se voltasse contra mim. Em alguns momentos ela tentava entrar em meu corpo, e até parecesse entrar, embora não conseguisse me dominar.

Enquanto a luta era travada no corpo a corpo, repetitivamente eu ordenava para que ela se retirasse, que se afastasse. Enfim, ela, a “presença” foi vencida…

Mas, antes de “sumir”, ficou quase que invisível, lançou-se sobre mim, pareceu entrar em meu corpo e, não conseguindo dominá-lo, sumiu definitivamente!

Nesse momento o ambiente pareceu mais ser uma igreja.

“Vi” que Célio se aproximou e me entregou a haste vertical de uma cruz pequena. Não me recordo que ela tenha sido utilizada na luta contra a “presença”, mas provavelmente sim, pois ela estava desgastada e sem a parte horizontal.

Alguém achou uma parte da horizontal, trouxe-a para mim e a entregou. Notei que não se encaixava. Então, Célio achou mais dois pedaços da cruz. Esses dois é que era da haste horizontal, a primeira era a parte que ficava acima da horizontal. Agora a cruz ficou completa (como quatro peças que se encaixaram perfeitamente).

Enfim, Célio, me entregou uma parte de madeira de outra cruz que, segundo ele, partiu-se durante esse enfrentamento que tivemos com a tal “presença”. Pelo tamanho da peça de madeira vi que era da parte de baixo da haste vertical da Cruz que fica no altar da Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua de Major Izidoro.

Ainda alterado emocionalmente com tudo que acabara de “acontecer”, simplesmente abrir os olhos, como se não estivesse dormindo. Olhei o relógio, marcava 4h25.

Com o coração acelerado, levantei, tomei um comprimido de dipirona, pois estava com uma leve dor de cabeça. Na sequência, deitei-me novamente… demorou um pouco, adormeci, acordando somente às 6h50min.
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Depois da segunda experiência, Dr. Adamas e eu vínhamos trabalhando nesse enigma. Chegamos à conclusão que ligando o contexto da primeira experiência com a cruz pequena da segunda, pode ter sido um sinal sobre a morte de mamãe (08/09/2023). Levando em consideração a parte da haste da cruz – supostamente ser do crucificado da Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua –, presente na segunda experiência, poderia ser o sinal da morte de alguém muito próximo a nós dois, e residente em Major Izidoro.

Nosso último diálogo nessa vida temporal aconteceu no Domingo, 18 de dezembro de 2022l. Ei-lo:

Ele:
08h11 – Estou aqui, Padre, no Francês. (acompanhando a penúltima foto envidada a mim).
08h12 – Se Deus quiser, vamos tomar banho e mar.
08h13 – Aqui tudo lembra o Kauê... mas vida que segue!!
Eu:
10h57 - Bom dia...
- Faça das lembranças, não algo que machuque, mas uma saudade que tempere a alma...
- Deus te abençoe, te ilumine e te guarde hoje e sempre!!!
Ele:
11h05 (em forma de gif) Que assim seja. Amém!
Às 13h08 mandou-me sua última foto, numa piscina e eu às 13h4, com um “emoji” expressei que estava tudo legal.

Ao acordar, na manhã de 19, vi o registro de três ligações a partir do telefone de Dr Adams: 3h13; 3h47 e 5h17. Pouco depois, um amigo telefonou e perguntou se era verdade que o Dr Adams havia falecido. Imediatamente retornei a ligação e sua esposa Mônica atendeu e confirmou: Ele havia sofrido um infarto. Ela me disse que como eu era o maior amigo de Dr Adams, ela queria que eu fosse o primeiro a saber. Assim como a de Rodolfo e a de mamãe, essa foi uma das maiores perdas de minha vida.

Também como fui inspirado a escrever sobre Rodolfo e Mamãe, resolvi fazer mais um livro – AMIGOS PARA SEMPRE - ainda será editado – onde falo sobre meus melhores amigos já se encontram no eterno. Logicamente, Dr Adams será destaque: “Amigos para Sempre”.

Como podemos ver, nada temporal é eterno. Apesar de estarmos no tempo, nós não nos prendemos a ele. Somos da eternidade, pois foi de á que viemos. Logicamente, como nossos amigos que já se foram, um dia, iremos nós.

Apesar de tão grandes perdas, a vida e seus enigmas seguem.

Pe. José Neto de França

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