PRESENÇA - CONTRIBUIÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO DE INCLUSÃO

José Malta Fontes Neto

“A Casa do Menor São Miguel Arcanjo é a maior instituição de assistência social nos últimos anos em Santana do Ipanema, pois tirou e tira muitos jovens de nossas ruas” (Bartolomeu Barros).

Essa frase sempre escuto do empresário Bartolomeu Barros quando o assunto é menores de rua, ou menores na rua, como queiram. Inclusive como forma de agradecimento o empresário e escritor doou todos os recursos arrecadados com a venda do seu primeiro livro, VIDA BOA, para essa instituição.
Com essas primeiras palavras, inicio essa reflexão sobre um livro que acabo de ler, depois de dois meses, talvez a obra que mais demorei a ler nos últimos tempos.

O livro é PRESENÇA Contribuições para uma educação de inclusão, de autoria do padre Renato Chiera, editora Cidade Nova – 2008.

Mesmo sendo de 2008 só tive acesso a essa obra em dezembro de 2014, dias após o lançamento do livro do empresário Bartolomeu Barros. Recebi autografado pelas amigas Celina França e Elen Zapari.

Degustei literalmente e pude perceber a grandiosidade da instituição Casa do Menor São Miguel Arcanjo. O padre Renato faz um relato impressionante dos primeiros passos para a criação da instituição, seus primeiros assistidos, os primeiros pais e mães sociais, como são denominadas as pessoas que abraçam a causa por puro amor ao próximo.

O autor também apresenta dados estatísticos da situação dos menores do Brasil, pesquisados em fontes fidedignas, como o IBGE, dentre outras.

Aborda a questão dos assistidos com uma clareza impressionante. Conta as suas experiências no acolhimento desses nos diversos locais brasileiros onde a instituição está instalada.

Durante a litura estive na secretaria da Casa do Menor e conversei com uma das personagens dessa história, a Tia Celina como é conhecida, e puder sentir a emoção dessa senhora quando questionava se a Celina que estava na minha frente era a Celina irmã do Pirata, primeiro jovem brutalmente assassinado em frente a casa do padre Renato. Ela fixou-me e disse: - se eu me emocionar é porque as cenas da minha vivência são fortes e muitas vezes revividas, falou isso dias após do assassinato do jovem Lucas que ela acompanhou aqui em Santana do Ipanema e que passou para outra vida, como o seu irmão. No livro está o seguinte depoimento:

“Sou irmã de Pirata, primeiro adolescente assassinado na frente da casa do padre Renato, e mãe adotiva de Luís Fernando, que também foi morto. Aceitei ser mãe social de quem é excluído, pois meu irmão e meu filho foram assassinados. Me senti identificada com essas situações de dor que vivi. Transformei a minha dor numa força que move e cria coisas boas. É uma força que vem de Deus e da confiança que eu tenho no padre Renato, porque em todos esses momentos tristes, trágicos, ele estava por perto.
Quando eu vi meu filho, lá caído na frente da escola onde estudava, me deu vontade de desistir, me deu vontade de abandonar tudo, até porque eu continuo trabalhando na rua onde ele morreu. Toda vez que saio de casa, passo pelo mesmo local. Me firmei pensando: Ele se foi, mas tem um monte de meninas e um monte de meninos que chegam pedindo minha ajuda. Precisam de mim para não morrerem. Não posso ficar chorando. Aí procuro acolhê-los e ver em cada um deles o rosto do meu filho que se foi e o rosto do meu irmão assassinado.
Aprendi que a gente faz o máximo, mas a pessoa precisa estar no seu momento! Tudo tem seu momento certo, o momento de Deus. Eu não entendia isso. Dou o melhor de mim para cada menina que chega. Acredito que cada uma delas é tão importante, como a filha é importante na minha vida… ( Tia Celina)


Voltei para casa com um sentimento diferente e continuei a leitura, agora vivendo a distância o drama desses que abriram mão de suas individualidades para servir a uma causa maior.

Nas páginas finais do livro o padre Renato faz uma bela explanação sobre o que leva aso meninos e meninas buscarem as ruas, na sua maioria a ausência dos pais e a falta de amor, amor esse que encontram na Casa do Menor, mas que ainda assim ficam sismados e as vezes rebeldes, pois a rebeldia é a tônica do seu dia a dia. Os jovens são colocados num mundo onde não tem regras nem limites e para permanecer na Casa somente com muito amor.

“Adolescentes não aceita regras. Adolescentes que vem da rua, menos ainda, pois nunca teve limites. Os limites, porém, são necessários: a água do rio consegue chegar ao mar porque o rio tem limites. Não se pode, no entanto, colocar limites no começo de um relacionamento. É preciso negociar limites, discutidos e acordados conjuntamente. Os adolescentes não gostam, sobretudo, de autoridade. Nem de leis. Mas devem perceber a necessidade dos limites para o bem próprio, da casa e de todos. Que não se trata de expressão de autoritarismo. Os limites devem ser vistos como expressão de amor e necessidade para o crescimento pessoal e para a mútua convivência. (Chiera 2008 p.228 e 229).

No livro o padre também aborda os diversos temas que envolve as crianças assistidas pela casa, como abuso sexual, drogas, prostituição. Mas a tônica maior e a Evangelização, o poder de Deus que pode mudar essas vidas. Mas, aceitar Deus é outro desafio enorme. Como um jovem, pode ver Deus se na sua vida só a miséria e a violência impera?

- Por que, se Deus é Pai, há tanta dor e sofrimento na minha vida?
Essa é a pergunta que me fez um adolescente de dezessete anos, muito abatido e abalado pela morte repentina do nosso filho Rafael, seu grande amigo. Resumo minha tentativa de resposta.
- Porque essas dores e sofrimentos não são tão feios assim, não são desgraças. São graça e amor. São amor, mas nós não entendemos ainda. Deveríamos ter os olhos de Deus para reconhecer isso. Deus não tem um infarto e depressão, pois o sofrimento e o negativo do mundo não são para ele desgraça, mas só dores de parto, que geram vida. E o mundo que sofre de fato é “grávido de vida”. (Chiera 2008 p.0234)


Claro que essa resposta não convenceu o adolescente, mas o padre Renato segue seu desafio de mostrar através do exemplo e da oração que Deus é benevolente e só ele pode livrar os jovens que não tem rumo certo nessa vida.

Por fim e sabendo que essas poucas linhas são incapazes de mostrar a grandiosidade dessa obra, deixo aos leitores o convite para conhecer a Casa do Menor São Miguel Arcanjo, adquirir um exemplar desse livro, pois tal ação beneficiará a entidade, como também conhecerá um mundo que está tão próximo de nós e tão distante dos nossos corações.

Paz e Luz

Santana do Ipanema 21 de fevereiro de 2015.

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